Por que é que nasceste em dor ?
Por que é que fazes sofrer a tua mãe,
Filho dos homens, no momento mesmo
Em que lhe dás a alegria da maternidade,
A alegria de todas as alegrias ?
Por que é que despertas para o dia,
Por que é que saúdas a luz
Com um grito de dor e raiva?
Por que é que não sorris à vida,
Filho dos homens, se o dom da vida
Mais não é do que alegria ?
Por que nascemos nós como animais,
Nós que somos de raça divina e de descendência humana ?
O espírito, porém, exigira outras vestes
Que não estas, feitas de pó e sangue ?
A imagem de Deus deverá mudar de dentes ?
E eis que se inicia a corrida
Por sobre as sarças, os cardos e as pedras,
E se, por vezes, um caminho se abre,
É logo considerado proibido,
E se quiseres colher uma flor
Dir-te-ão que pertence a outro
E se um campo te corta o caminho
E se precisares de seguir em frente
Pisarás as sementeiras de alguém
Antes que outros pisem as tuas.
E assim se faça justiça.
Qualquer alegria que possas ter
Representará um desgosto para os demais
E a tua mágoa não fará a alegria seja de quem for;
E assim será o teu caminho até à morte
Quando outros homens vierem tomar o teu lugar.
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Nascemos debaixo das nuvens do céu.
E os raios de Indra expulsaram-nos
Para a terra poeirenta.
E o restolho dos campos feriu-nos os pés.
E a poeira das estradas
E o fumo das cidades
Tivemos de suportar.
Cheiros pestilentos,
O bafio das cozinhas, os eflúvios do vinho...
Corremos sobre as águas do imenso oceano
Para agitar as asas
Encher os pulmões
E lavar os pés.
Indra, Senhor do céu,
Escuta-nos !
Escuta os nossos suspiros!
Não, a vida não é pura
Se não for boa.
Os homens não são maus,
Mas também não são bons.
Vivem como podem,
Dia após dia.
Os filhos do pó caminham sobre o pó,
Pois dele nasceram
E a ele volverão.
Para pisar o chão dispõem apenas dos pés.
Mas não lhes foram dadas asas para voar.
E se estão cobertos de pó
De quem é a culpa ?
Será mesmo deles, ou tua ?
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O Advogado:
De manhã levanto-me com dores de cabeça.
É nessa altura que começo a fazer a revisão de tudo o que se passou no dia anterior, a recapitulação em sentido contrário, e tudo o que então me pareceu belo, tudo o que tinha sido agradável e espiritual, toma, na minha memória, um aspecto repugnante e estúpido !
O prazer apodrece, a alegria desvanece-se. Aquilo a que os homens chamam êxito acaba sempre por ser a causa das suas futuras contrariedades.
Foram os êxitos que conheci os causadores da minha perda ! Por instinto, os homens sentem sempre horror pela felicidade dos outros.
Acham injusto que o destino favoreça outro indivíduo em vez deles, e para restabelecer o equilíbrio deitam pedras para o jardim daquele...
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Inês:
És capaz de me dizer porque é que as flores crescem rápido no estrume?
O vidraceiro:
Crescem melhor assim, vê tu, porque tem horror ao estrume. A idéia delas é afastarem-se, o mais depressa possível, e aproximarem-se da luz, a fim de desabrocharem... e morrerem.
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Inês:
Queres, realmente, conquistar a tua liberdade, ou não ?
O Oficial:
Para dizer a verdade... não sei. Em qualquer dos casos, terei de sofrer ! Todas as alegrias da vida se pagam com um desgosto duas vezes maior. Não sou feliz aqui, mas se tiver de comprar a minha liberdade, terei de pagar três vezes o seu preço... em moeda de dores !
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