Democratizar o conhecimento e socializar os saberes como ferramenta para transformação social e econômica. Democratizar e socializar para reduzir as desigualdades regionais. Democratizar e socializar para dar oportunidades. Democratizar e socializar para dar esperanças e certezas de um futuro melhor. O poder transformador do conhecimento, monopolizado e retido nas melhores Universidades Públicas, tem que ser disseminado, gratuitamente, para toda a sociedade.

15/07/2008

Pequenos detalhes do Gilmal Mente
O Juiz Federal de São Paulo que acompanha as investigações do caso Dantas decidiu mandar prender a máfia do banqueiro. Certamente, o juiz tomou esta decisão porque acompanha o caso ao vivo e a cores. Viu a periculosidade e o poder de corrupção da máfia, o poder de destruição das instituições públicas e do Estado Democrático de Direito. Uma máfia que oferece $ 1.000.000 (Um milhão) de dólares para corromper um delegado, ofereceria quanto para corromper um Ministro ?

O juiz vendo o poder destruidor dessa máfia decretou a prisão dos elementos. Porém, o banqueiro impetrou uma ação de habeas-corpus. Parece-me que o TRF negou o habeas-corpus. Isto também ocorreu no STJ. E se negaram foi porque viram a periculosidade e o poder destruidor da máfia. Porém, o Gilmal Mente, contrariando todo mundo, concedeu o habeas-corpus.

Quem está errado ? Quem está alinhado com a criminalidade organizada ? O Juiz prendeu. O TRF confirmou a decisão do Juiz. O STJ também confirmou... Porém, o Gilmal Mente contrariou todo mundo e deu a decisão solicitada pelo banqueiro. Seria o Gilmal o único sabidão da história, enquanto os demais não sabem nada ?

Mas o aspecto mais surpreendente foi uma notícia que vi na TV. Dizia ela que o segundo habeas-corpus foi protocolado às 15:00 e a decisão do Ministro Gilmal saiu às 17:30. Não consegui confirmar a notícia, porém, se ela for verídica, o Ministro escreveu uma decisão de 11 páginas em menos de duas horas. Considerando a burocracia do judiciário, a velocidade e a disposição do ministro em decidir a favor da criminalidade organizada é muito, é excessivamente, suspeita.

Certamente, os mais céticos sempre perguntariam: ele escreveu ou já estava com a decisão pronta antes do segundo habeas-corpus ter sido protocolado? Será que a sentença do Gilmal foi produzida antes de existir a ação de habeas-corpus? Será que ele recortou e colou, ou seja, pegou o primeiro e colou no segundo ?

Isto chama a atenção porque juristas famosos consideravam que a prisão preventiva estava bem fundamentada. Mesmo assim, numa canetada de 11 páginas e em menos de duas horas, o Ministro salvou o chefão da máfia. Isto mostra que a criminalidade organizada tem ampla supremacia dentro do Estado e movimenta o Estado de Direito na hora que quer, da forma que quer e para o que quiser.

A versatilidade do Ministro em beneficiar a criminalidade organizada é um atentado contra os cidadãos comuns, contra a maioria dos cidadãos que, muitas vezes, esperam décadas para obter um decisão judicial. Outros morrem esperando...

Nas palavras de Konstantin Gravos: "Qual é o melhor cidadão? O que se submete às leis em cuja elaboração ele não foi - e jamais será! - chamado a opinar; aquele que se deixa escorchar pelas taxas e pelos impostos injustos ou abusivos, mentindo a si mesmo que, sim, o Estado nos suga, mas para beneficiar a todos igualmente; e o estúpido crédulo que, sentindo-se injustiçado, mas confiante nas leis, feitas apenas para uma minoria, contrata um advogado, abre um processo no Fórum mais próximo, e vê sua vida e suas economias definharem ao longo dos anos, enquanto a Justiça lhe sorri." (Texto completo no final)

Além disso, o indivíduo que tentava corromper o delegado federal disse claramente, nas gravações da PF, que o STJ e o STF já estavam dominados. Esta afirmação não decorre de inferência lógica dos eventos observados, mas sim de uma confirmação do corruptor de que as instâncias superiores já haviam sido corrompidas e apenas esperavam o momento para agir, concedendo habeas-corpus, trancando ação penal, enfim, agir garantindo a impunidade da máfia.

Mas por que é que a máfia domina o STF e não consegue dominar os delegados ou os juízes de primeiro grau ? A resposta está na política. O STJ e o STF são tribunais políticos. São tribunais formados por Ministros indicados por políticos. Logo, há uma íntima ligação entre estes tribunais e os políticos, fazendo que os mesmos sejam sujeitos a pressão política ou alinhem suas decisões com os interesses políticos.

Como esta máfia é especializada em lavar dinheiro sujo oriundos de corrupção política ou de desvios de recursos do patrimônio público (privatizações, fraude em licitação, etc), assim como em administrar contas de dinheiro sujo no exterior (aqui entra o Naji Nahas), sendo o Pitta o melhor exemplo, há muitos políticos presos na teia do Dantas. E são estes políticos que dão poder para o Dantas afetar/dominar as decisões do STJ e do STF

Se o Dantas cair, os políticos grudados nele caem juntos. E na mesma queda arrastam os Ministros que indicaram para o STJ e para o STF. Logo, a teia de corrupção trabalha unida para garantir a impunidade de todos: os Ministros livram a cara do Dantas, garantindo a sua impunidade, e ele, por sua vez, salva os políticos que possuem dinheiro sujo guardados, pela máfia, no exterior ou administrado por ela no banco mafioso...

E o Greenhalgh, que lutou tanto contra a ditadura militar e contra as violações de Direitos Humanos, pelo visto, não conseguiu resistir ao poder de corrupção da criminalidade organizada. Foi seduzido pelo dinheiro sujo do Dantas.

Certamente, o Dantas contratou o Greenhalgh para ser mais do que um advogado ou assessor. Contratou ele para ser uma fonte de informações privilegiadas. As gravações da polícia federal mostram isso claramente. Mostram o Greenhalgh tentando obter informações privilegiadas do assessor da Presidência da República. Informação esta que, certamente, seria repassada para a máfia.

Inclusive, deve ter sido dessa forma que o Dantas ficou sabendo, antecipadamente, das descobertas da Petrobrás...

O Dantas tem um poder de corrupção muito maior do que o poder que tinha o Renan Calheiros. O Renam saiu impune, para vergonha da nação, e o Dantas segue o mesmo caminho, segue o caminho da impunidade...
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Dogville: o inefável sabor da vingança
Konstantin Gavros
Donatien-Alphonse-François, o marquês de Sade, conta - em A filosofia na alcova - que Luís XV, ao dirigir-se a Chardolais, "que matara um homem para se divertir", lhe diz: "- Eu vos perdôo, mas também àquele que irá matar-vos."

Há uma ética a ser dissecada na fala de Luís XV. Uma ética que coloca todos os homens em pé de igualdade. Uma ética que não faz distinção entre fortes e fracos, entre poderosos e submissos, entre homens livres e escravos. Uma ética cujo princípio é o da mais pura igualdade, pois todos estão perdoados de antemão, mas devem também estar preparados para arcar com as conseqüências de seus atos. Uma ética que pressupõe o direito de vingança e o referenda como algo justo - e justo exatamente por igualar o assassino e, no caso, o provável justiceiro que o perseguirá: colocados um diante do outro, eles resolverão entre si, da maneira mais pura e mais digna, o acerto de contas pela violência que o primeiro cometeu gratuitamente.

Essa é, contudo, uma ética incompreensível para nós, educados em uma civilização cujos pilares nascem do direito romano e do cristianismo. Para muitos de nós, as palavras de Luís XV são tão incompreensíveis quanto a última parte do filme Dogville, de Lars Von Trier.

De fato, a vingança está exilada de nossas vidas, como se ela fosse um gesto que nos diminuísse, nos inferiorizasse, ou nos tornasse moralmente fracos. O ultrajado que ousa escolher o caminho da vingança é, entre nós, punido pelo Estado, pela religião e pela sociedade. Claro, fomos educados para perdoar e amar, ainda que o mundo nos apedreje...

O que todos escondem, no entanto, é que vivemos em uma sociedade hipócrita, na qual, de um lado, nos consumimos, impotentes e em silêncio, em nossos desejos de vingança, e, de outro, somos treinados, desde muito cedo, a reprimir o que sentimos, pois nos ensinam que seremos considerados bons e exemplares apenas quando nos comportarmos de maneira servil.

Quem é o melhor empregado? O que corteja, de maneira sóbria e gentil, equilibrando-se entre a subserviência e um falso ar de responsabilidade; ou mesmo o bajulador declarado, um tipo que é sempre vencedor.

Qual é o melhor cidadão? O que se submete às leis em cuja elaboração ele não foi - e jamais será! - chamado a opinar; aquele que se deixa escorchar pelas taxas e pelos impostos injustos ou abusivos, mentindo a si mesmo que, sim, o Estado nos suga, mas para beneficiar a todos igualmente; e o estúpido crédulo que, sentindo-se injustiçado, mas confiante nas leis, feitas apenas para uma minoria, contrata um advogado, abre um processo no Fórum mais próximo, e vê sua vida e suas economias definharem ao longo dos anos, enquanto a Justiça lhe sorri.

Qual é o melhor filho? O mais obediente, o mais submisso, o que acata todos os "nãos" como se fossem uma bênção; o que - semelhante a um cão - lambe as mãos de quem o castra e humilha.

O filme de Lars Von Trier nos escandaliza somente por uma única razão: ele é o espelho do mundo que construímos com nossa covardia. Nós somos Dogville. Cultivamos nossas mesquinharias, nossas frustrações e nossos medos, fruindo desse prazer masoquista que nos foi inculcado desde o ventre de nossas mães. Mas sempre prontos a, no silêncio da nossa falsa bondade e esboçando o sorriso de um tartufo, espoliarmos, abusarmos e violentarmos a primeira Gracie que aparecer em nossas vidas. Realmente, não há maior lucidez do que a do marquês de Sade, quando - também em A filosofia na alcova - ele nos diz que "aquilo que os idiotas chamam de humanidade não passa de uma fraqueza nascida do temor ou do egoísmo".

Mas o que ocorreria ao mundo se cada um de nós pudesse exercer, sem censura ou medo, as suas pulsões de vingança, por mais cruéis que elas fossem? Regrediríamos, certamente, ao que os filósofos chamam de "estado de natureza", o suposto estágio que antecede o início deste em que vivemos, e que os filósofos apreciam chamar de "contrato social". Um contrato de cláusulas leoninas, segundo as quais a imensa maioria deve servir e apodrecer na miséria, na fome e na doença, enquanto uma minoria legisla e governa em causa própria, além, é claro, de enriquecer. E denominamos esse estado de absoluta discrepância de poderes com um outro adorável eufemismo: "democracia". Uma palavra que de tão falsa chega a me provocar pruridos anais...

As regras, como vemos, são muito simples: eu te exploro e você me agradece (ou, como é o costume, finge agradecer). Se, por alguma incontrolável razão, você decidir se vingar... bem... para isso existem as prisões e os hospícios...

Contudo, um alerta: até agora falamos, neste artigo, daqueles 40% da população brasileira que não mora em favelas e alimenta-se três vezes ao dia, pois o restante vive à margem do sistema em que as regras da hipocrisia legal vicejam. Seria um exercício saudável aos nossos intelectuais - de esquerda e de direita - uma estadia de quatro semanas em uma favela - todas elas, aliás, comandadas pelo narcotráfico -, pois descobririam um outro país, no qual a vingança fria e calculada - ou seja, o direito de retribuir em igual medida o mal que foi cometido - comanda as relações sociais, criando um equilíbrio e uma harmonia só comparáveis aos que usufruíamos quando ainda habitávamos a selva.

E a história não nos desampara neste momento: compulsemos os melhores tratados e veremos que a verdade só triunfa quando escolhe, como aliada, a violência. Os servos só deixaram de ser espoliados quando encostaram a faca na garganta dos seus opressores. Da mesma forma, certamente também nós guardamos a lembrança dos poucos momentos em que ousamos erguer a cabeça e nos revoltamos. Aqueles minutos de prazer, semelhantes em tudo a uma deliciosa sucessão de orgasmos, foram os únicos em que ousamos ser verdadeiros, e são eles, hoje, que nos salvam do completo embotamento.

É exatamente o que Dogville nos ensina. Ao final do filme, inebriados pela correta decisão de Grace, alegres por ela ter feito o que não temos coragem de fazer, recordamos outro trecho de Sade: "Só a piedade e a beneficência são perigosas no mundo. A bondade é apenas uma fraqueza cuja ingratidão e a impertinência dos fracos forçam sempre as pessoas honestas a se arrependerem." O prêmio de Grace por sua absoluta bondade foi apenas a sua queda. Uma derrocada, aliás, orquestrada por Tom, o arquétipo de todos os moralistas.

Na verdade, o que Dogville nos mostra é que o chamado "contrato social" precisa ser urgentemente reescrito. E se eu vier a ser consultado sobre o teor das novas cláusulas, recomendarei que haja apenas uma: "Olho por olho, dente por dente." Essa é a única regra capaz de instituir justiça e igualdade entre os homens.