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25/04/2008

A resistência da Ordem
Márcio Bueno - Retratos do Brasil, Ed. Política, 1984, Vol. II, p.283-284

Desde a sua criação, em 1930, a Ordem dos Advogados do Brasil esteve presente - do Estado Novo ao Regime Militar - nas lutas pelas liberdades democráticas.

Em 1980, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) comemorou com solenidade, mas sem festas, o seu cinquentenário. Durante a fase de organização das festividades comemorativas, um atentado terrorista sacudiu as suas instalações e matou dona Lyda Monteiro da Silva, funcionária da Ordem havia mais de 40 anos.

Dois dias antes de morrer, dona Lyda prestara um depoimento ao advogado Alberto Venâncio Filho, que fazia um levantamento para escrever a história da OAB. Dona Lyda explicara que pouca coisa havia restado das discussões havidas nas sessões da OAB no período do Estado Novo (1937-1945), e sobretudo no período final, durante a campanha contra a ditadura varguista.

As atas da entidade eram publicadas no Jornal do Comércio (RJ) e passaram a sofrer censura, razão pela qual se decidiu omitir as manifestações de caráter público. A funcionária da Ordem fazia a ligação de duas fases (o Estado Novo e o Regime Militar) em que os advogados tiveram o mesmo posicionamento contra o arbítrio.

A OAB foi criada em 18 de novembro de 1930, com o desmembramento do antigo Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, este de 1843. Objetivo: disciplinar e selecionar os profissionais. Apesar das intenções corporativas de sua criaçao, a força da tradição do instituto impediu que a OAB se tornasse uma entidade vinculada ao Estado. Até por volta de 1943 a Ordem se manteve dentro dos limites de órgão selecionador e disciplinador da categoria, quando então começa a reagir ao Estado Novo.

Antes, já havia a atuação do advogado Heráclito Fontoura de Sobral Pinto na defesa dos comunistas Luís Carlos Prestes e Harry Berger. Indicado pela OAB, este advogado de formação católica lutou durante nove anos para livrar seus constituintes das torturas degradantes a que eram submetidos, chegando a invocar em seu benefício a lei de proteção aos animais.

A luta contra a ditadura culminou com a eleição de Raul Fernandes, vinculado à UDN, o que marcou a ruptura definitiva com o Estado Novo. Na fase que se seguiu, a OAB permaneceu próxima à UDN, elegendo novos presidentes ligados a este partido.

Esta proximidade com a UDN pode explicar porque a OAB não reagiu ao golpe de 64. A OAB, porém, se desvincula do sistema com a eleição de José Cavalcanti Neves, em 1971. "A tortura e os métodos de brutalidade levaram os advogados a reagir", lembra o jurista Raymundo Faoro, presidente da Ordem no período 1977-1979. "Mas a reação não foi política", ressalva. "Os pressupostos da advocacia estavam sendo feridos - os juízes não tinham as garantias constitucionais."

De fato, Cavalcanti Neves pauta sua gestão pela defesa intransigente do restabelecimento das garantias da magistratura, da plenitude do habeas-corpus, do respeito aos preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do respeito aos princípios do Estado de Direito.

A gestão seguinte é menos expressiva. Em 1975, com a eleição de Caio Mário da Silva Pereira, a Ordem volta a defender o restabelecimento das garantias constitucionais dos advogados e dos cidadãos e, em 1977, Raymundo Faoro é eleito presidente e torna a Ordem uma das entidades mais representativas da sociedade civil. Sua atuação foi pautada pela defesa do retorno ao Estado de Direito democrático. O novo presidente entendia que a Ordem deveria limitar-se às demandas específicas dos advogados.

Com isto poderia aglutinar os profissionais de todo o País, inclusive os que militavam no partido do governo. Defendeu o retorno ao Estado de Direito como pressuposto básico do exercício da advocacia. E, como forma de atingir este objetivo, a defesa da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.

Interlocutor privilegiado do senador Petrônio Portela, presidente do Congresso, Raymundo Faoro limitou suas reivindicações aos pleitos específicos dos advogados: restabelecimento da plenitude do habeas-corpus, das garantias da magistratura e retorno ao Estado de Direito, através de uma Assembléia Constituinte.

Outra questão proposta por Faoro a Portela: a alteração do Artigo 185 da Constituição, que tornava inelegíveis todos os cidadãos que tivessem tido os direitos políticos cassados. O presidente da OAB alertava o senador Portela de que a anistia viria mais cedo ou mais tarde e de que este artigo seria um entrave.

O presidente do Senado argumentava que o problema era a existência de três nomes não absorvíveis pelo sistema: Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes e Leonel Brizola. Ouviu então do presidente da OAB o desafio de encontrar uma fórmula legal de deixar apenas os três fora de um projeto de liberalização.

Petrônio Portela, porém, não encontraria a fórmula e a 13 de outubro de 78 caía o AI-5. Pela edição da Emenda Constitucional n. 11, eram restabelecidas as prerrogativas da magistratura, o habeas-corpus pleno e alterado o Artigo 185 da Constituição, caindo a inelegibilidade dos cassados e abrindo-se caminho para a anistia.

Eduardo Seabra Fagundes assume a presidência em 1979, reconhecendo as conquistas obtidas na gestão anterior e ressalvando que ainda faltava muito à plena restauração do Estado de Direito. Começa pregando a anistia ampla, geral e irrestrita e sem gradualismos; a convocação de uma Assembléia Constituinte que restaure as eleições diretas em todos os planos, assegure a liberdade de organização partidária e sindical e estabeleça uma justa distribuição de renda.

Como principal diferença do presidente anterior, havia o entendimento do caráter do Estado brasileiro: para Faoro, autoritário; para Seabra: totalitário. Foram cortadas as negociações com o regime e estabeleceu-se uma linha de luta intransigente pela restauração da democracia.

Outra diferença na gestão de Seabra Fagundes, ao contrário da gestão de Faoro, foi que a OAB passou a empunhar bandeiras gerais, indo além das demandas específicas dos advogados. A ordem se coloca contra a Lei de Segurança Nacional e a sobrevivência da comunidade de informações.

O projeto de anistia do governo também teve a repulsa da Ordem, pelo seu caráterde indulto e pela questão da reciprocidade. Participando do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Seabra Fagundes luta contra a imposição do sigilo e constitui uma comissão de 15 advogados para assessorá-lo.

Dezenas de pessoas passam a procurar a OAB, pedindo ajuda para questões como o esclarecimento desaparecimento de presos políticos. Entre estas questões figuram a tentativa de reabertura do processo do deputado Rubens Paiva e o acompanhamento da localização de uma antiga casa de torturas de presos políticos na cidade de Petropólis (RJ).

Em 84, a OAB participa com destaque da campanha das diretas.

O atentado contra a OAB ocorre nessa gestão. A Ordem contrata um perito independente para acompanhar as investigações, mas o caso permaneceu sem esclarecimento. Um militante de direita, Ronald Watters, foi preso, mas absolvido por falta de provas.

A gestão seguinte, de José Bernardo Cabral, caracteriza-se pela ênfase à questão dos direitos humanos dos presos comuns, à reforma do ensino jurídico e ao relacionamento internacional. Durante sua gestão ocorre o atentado do Riocentro. A OAB, através do CDDPH, reage energicamente, exigindo um completo esclarecimento do episódio.

No período iniciado em 1983, a OAB, sob a presidência de Mário Sérgio Duarte Garcia, continua participando das lutas pelas liberdades democráticas no País, às vezes se envolvendo com a truculência do Regime Militar. Em 24 de outubro de 1983, durante a votação do Decreto-Lei n. 2045, Brasília se encontrava sob regime das medidas de emergência.

Mesmo assim, o Conselho Seccional do Distrito Federal decidiu manter a realização do I Encontro dos Advogados. O executor das medidas, general Newton Cruz, o "Nini", mandou invadir e interditar as instalações da OAB-DF, mas o presidente do Conselho, Maurício Correa, resistiu à intervenção, posteriormente revogada pelo Planalto sob a alegação de ter havido um mal-entendido. Ao final do episódio, o general Cruz chegou a admtir, publicamente, que "havia quebrado a cara".

Em 1984, quando a campanha pelas diretas-já empolgou todo o País, a OAB, juntamente com outras entidades, compôs o Comitê Suprapartidário Pró-Diretas e teve participação destacada de seus representantes.