Democratizar o conhecimento e socializar os saberes como ferramenta para transformação social e econômica. Democratizar e socializar para reduzir as desigualdades regionais. Democratizar e socializar para dar oportunidades. Democratizar e socializar para dar esperanças e certezas de um futuro melhor. O poder transformador do conhecimento, monopolizado e retido nas melhores Universidades Públicas, tem que ser disseminado, gratuitamente, para toda a sociedade.

22/02/2008

As prisões
Luis Fávio Gomes - Alice Bianchini - O Direito Penal na Era da Globalização
Sabe-se, entretanto, que nas verdade nela se concentra apenas uma estreita parcela de todas as ilegalidades que o homem 'moderno' pratica. É bem provável que em nenhuma outra época houve tanta corrupção como na era da 'economia globalizada'.

A globalização, aliás, encontra na corrupção um dos seus sinônimos mais expressivos. De qualquer modo, não é essa a ilegalidade que vai causar o encarceramento do criminoso. A prisão, assim, como afirmam os doutrinadores desenha, isola e sublima uma forma de ilegalidade que parece resumir simbolicamente todas as outras, mas que permite deixar na sombra as que se quer ou se deve tolerar.

Em outras palavras, ela "permite diferenciar, arrumar e controlar as ilegalidades" (Foucault). Para as ilegalidades dos de baixo, prisão; para as ilegalidades dos que mandam, compaixão; Fuga para o estrangeiro, prescrição.

Nosso velho discurso professoral de que a prisão é um fracasso na redução dos crimes deveria então ser substituído "pela hipótese de que a prisão conseguiu muito bem produzir (ou reproduzir) a delinqüência."

Aliás, ela, juntamente com todas as demais células do continuum carcerário (Febem, Casas de correção e tantas outras que formam o arquipélago carcerário), é a que melhor reproduz a delinqüência: os altos índices de reincidência facilmente atestam isso.

O grande sucesso da prisão reside exatamente nisto: ela retrata um tipo de 'delinqüência' e assim a isola e dissocia de todas as demais ilegalidades. Quem visita os cárceres do nosso país tem a nítida sensação de que somente os pobres delinqüem.

Concentrando nossa atenção, exclusivamente, nessas ilegalidades que resultam em prisão, os comunicadores sociais - gente da mídia -, a polícia e a justiça (promotores e juízes) integram a funcional engrenagem do exercício sábio do poder. Como não existe uma justiça penal que cuida de todas as ilegalidades, deve-se ver nessa justiça um instrumento para o controle diferencial das ilegalidades.

Os juízes (e os promotores), portanto, se não exercem seu miste com sentido agudamente crítico, acabam transformando-se em meros empregados desse torpe mecanismo de seleção das ilegalidades e de reprodução de uma espécie de delinqüência que é muito útil para determinados e privilegiados segmentos sociais.

A prisão, então, devemos concluir, é deveras um grande sucesso. Mesmo depois de dois séculos de contundentes críticas, ela continua vigorosa (só na última década cresceu no Brasil em mais de 100%). O legislador, em todo momento, cuidando da criminalização primária, dela faz uso (e abuso) contínuo.

Políticos e comunicadores sociais nefastos e inescrupulosos, que banalizam diuturnamente a violência, na medida em que já não necessitam vangloriar a pena de morte, que, em razão da AIDS, é automaticamente a sanção acessória da pena de prisão, louvam-na, particularmente em tempos eleitorais, com a estelionatária tese de sua perpetuidade (prisão perpétua).

Desapareceu ao longo da história o corpo marcado, recortado, queimado, aniquilado; o que veio em seguida foi o corpo e o tempo controlados; agora o que se pretende é a eternização do espetáculo de fabricação de um tipo específico de delinqüência (e de delinqüentes).

Se há um desafio político global em torno da prisão, afirma Foucault, este não é saber se ela será ou não corretiva; se os juízes, os psiquiatras ou os sociólogos exercerão nela mais poder que os administradores e guardas; na verdade ele está na seguinte alternativa: prisão ou algo diferente da prisão.