O CNJ foi contaminado pela corrupção ou se vendeu ?
De repente o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que defendia a sociedade contra os excessos do judiciário começou a defender privilégios para os juízes. Será que o CNJ foi contaminado pela corrupção ou se vendeu ? Será que os Conselheiros estão com o "rabo preso" com os juízes ? Mas quem são os Conselheiros do CNJ ? Por que essas coisas acontecem no Brasil ?
A resposta é simples. O Brasil possui subterrâneos. Locais por onde passam os acordos secretos, as picaretagens, os subentendidos, etc. A sociedade e a vida correm em cima, no solo, enquanto a roubalheira e a corrupção correm por baixo, no subsolo.
Não se enganem, pois, certamente, para fazer uma proposta defendendo privilégios para o Judiciário, os Conselheiros, que também são juízes, foram contactados pelos seus companheiros e fizeram, entre eles, uma espécie de pacto de "uma mão lava a outra". Mas tudo aconteceu nos subterrâneos e por isso não vimos a negociação, ou seja, esconderam a floresta, mas uma árvore apareceu e denunciou os fatos: o CNJ está propondo regalias e privilégios para o Judiciário, inclusive ressuscitando benefícios que o legislativo tinha enterrado. Agora eu pergunto, quantos Juízes tem no CNJ ? Se a regalia passar, quanto estes Juízes irão ganhar ?
Esse fato é muito interessante, pois ele mostra que não são as instituições que são podres, corruptas e estúpidas, mas sim as pessoas escolhidas para dirigir essas organizações. O CNJ é um órgão novo, recente na história brasileira, mas aprendeu rápido a arte da influência e da corrupção. O órgão é culpado ? Certamente não. A culpa é dos indivíduos empossados em tais cargos. Todos indicados e escolhidos por interesses obscuros e por acordos secretos. As indicações dão a chave do cofre para a máfia, pois assim, usam suas influências e poder para criarem regras (resoluções, etc) que transformam seus interesses ílicitos e ilegais em normas jurídicas. Não existe mais férias coletivas no judiciário, então o CNJ faz uma resolução dizendo que existe e a ilegalidade se transforma, por um passe de mágica, em legalidade. Dessa forma, as máfias da burocracia, do judiciário, do Ministério Público, etc parasitam os recursos públicos, dominando e controlando as indicações, as promoções, etc.
Não tenham dúvidas: no Brasil existem duas burocracias, duas polícias, dois judiciário, dois Ministério Público, etc, um que corre por cima e outro que corre por baixo, no submundo, nos bastidores e longe do público. Essa é a grande desgraça do Brasil.
Fatos como esse indicam que as instituições estão sendo assimiladas e destruídas pelos grupos dominantes que parasitam a coletividade. As instituições não trabalham para proteger o patrimônio e os interesses coletivos, mas sim para enriquecer pequenos grupos, dando benefícios para os alinhados, para gente da classe a que pertencem. Atuam na surdina e na calada da noite para que ninguém perceba o golpe contra a coletividade.
Até aqui eu só falei o óbvio. Aquilo que todo mundo percebe, mas que ninguém atua de forma drástica e forte para conter. O que vocês não perceberam foi a conveniência desse aumento dado pelo CNJ para os Juízes, pisando numa proibição votada no Legislativo. A idéia é simples: os Juízes, por intermédio do CNJ, pisam no legislativo e ninguém no Congresso fala nada. Assim, quando a Câmara aumentar os salários dos Deputados, o Judiciário vai assinar embaixo, confirmando a legalidade da falcatrua, ou seja, uma "mão lava outra". Esse é o negócio que deve ter sido articulado no subterrâneo. Dois golpes certeiros da burocracia estatal contra a coletividade, contra a coisa pública.
Qual a solução ? Chamar a polícia para os Juízes, desembargadores e Ministros do STF? Esperar que o MP ataque e derrube a decisão do CNJ ? Mas e a máfia do MP, por que ela não se manifestou ainda ? Pelo que eu saiba o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) também está pleiteando aumento salarial ? Será que não conseguiram estabelecer a PAX MAFIOSA neste caso ?
Enfim, para mudar o Brasil nós temos que derrubar os grupos dominantes, tirando o poder das mãos deles e encarcerando os corruptos e ladrões da coisa pública. Por isso, eu concordo plenamente com o Senador Cristovam Buarque de que a corrupção e os crimes patrimoniais cometidos contra a coletividade devem ser considerados crimes hediondos. Além disso, temos que perder o medo de autoridade pública e começar a atacá-los frontalmente. Temos que começar a bater de mão fechada e esfregar na car deles os prejuízos que ocasionam à coletividade com seus pactos secretos e suas decisões estúpidas, assim como o parasitismo que promovem contra o patrimônio coletivo.
Alguns dizem que isso é democracia, ou seja, que a corrupção é a principal características dos governos democráticos. Essa afirmação é uma grande mentira e deve ter sido dita por um corrupto democrata. A Democracia é um método de governo e neste método só há espaço para corrupção de houver conivência e inércia da coletividade e dos demais grupos que atuam na arena democrática.
O que falta no Brasil é respeito às instituições e à coisa pública. Não respeito do povo, mas sim das autoridades públicas que "cospem no prato em que comem". Isso deriva da impunidade que caminha ao lado dos poderosos, protegendo-os, assim como de seu poder de dizer a justiça e aplicar a lei. A questão que povoa as mentes revoltadas é: como derrubar essa gente ? Como tirar deles o poder que massacra, oprime e escraviza a coletividade ? Certamente, o povo dá o poder e o povo pode tirar o poder. Agora o que precisamos saber é se isto será feito pacificamente ou violentamente.
Mas, se você não acredita em nada do que eu disse, clique aqui e leia as notícias sobre aumento de salários do judiciário e da câmara. Perceba o alinhamento de interesses e de razões, as conveniências das discussões, tudo na mesma época, etc. Enfim, você vai ver o fio da meada que transpassa toda a história.
Para finalizar vou transcrever dois parágrafos de um artigo que foi estudado, neste semestre, na disciplina de Filosofia Política aqui da USP. É um texto de Maurizio Viroli denominado "The New Republicanism". Um texto que faz parte do livro Republicanism (Hill and Wang: New York, 2002):
"Os teóricos republicanos clássicos também enfatizavam que o constrangimento que leis justas impõem à escolha de um indivíduo não é uma restrição de liberdade, mas um elemento essencial de sua liberdade política. Eles também acreditavam que restrições impostas pelas leis às ações de governantes e de cidadãos comuns são a única proteção válida contra a coerção por parte de qualquer pessoa ou grupo de pessoas.
Maquiavel expressa firmemente essa crença em seus Discursos (1,29), quando escreve que se há um cidadão a quem os magistrados temem e que tem o poder de quebrar a lei, então a cidade inteira não pode ser considerada livre. Ela só pode ser considerada livre quando suas leis e normas constitucionais restringem a arrogância dos nobres e a licenciosidade do povo.
Rousseau coloca de maneira muito clara a diferença entre obediência e servidão quando escreve: “um povo livre obedece, mas não serve; tem líderes, mas não senhores; obedece às leis, mas somente às leis, e é por causa da força das leis que não é forçado a obedecer os homens”. Ele identifica liberdade com obediência às leis que impõem o mesmo constrangimento a todos; ao contrário, equipara não-liberdade com privilégio — quando alguns indivíduos têm o poder de isentar a si mesmos do constrangimento imposto a outros: “o cidadão deseja a lei e que as leis sejam observadas.
Todo indivíduo sabe bem que se exceções à lei forem permitidas elas não trabalharam a seu favor. Assim cada um tem razão em temer a prática de criar prerrogativas especiais, e esse grande temor é uma indicação de que ele ama as leis. Mas com a classe dirigente é bastante diferente: sua condição social está baseada em privilégio e eles buscam tais privilégios em toda parte. Se eles desejam a existência de leis não é para obedecê-las, mas para serem juízes”. (Lettres écrites de Ia montagne, vol.3, p.889)."
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A esfinge e o voraz mercado do crime
Luiz Fernando Novoa Garzon
O crime comum está em extinção. Já não existem áreas comunais para a labuta do bandido autônomo. Mais um irresistível avanço das relações capitalistas. O crime passou a ser um negócio sério demais para ser conduzido por "criminosos".
O crime público não se separa mais do privado. Um é condição para a ampliação do outro. Crimes políticos nem precisam de motivação ideológica. Bandidismo não por uma questão de classe, mas de cartel. Uma "Razão de Estado", de Estados paralelos. Quando as máfias adquirem poder de Governo, crimes políticos são decisões burocráticas.
Os Comandos aprenderam a aumentar seu cacife e sua área de influência dosando o terror e subvertendo as regras do jogo. A política como ela é. Em um mundo composto de guetos privados, algum segmento poderia ter maior projeção política que o crime organizado?
As máfias saíram de seus nichos tradicionais. Amadureceram e galgaram posições nucleares nas estruturas decisórias do sistema capitalista global. No centro, os podres poderes sabem dissimular. Os lobbies são oficializados e as alianças são estavelmente geridas em "clusters" que agregam a Máfia Americana, a Cosa Nostra e a Yakusa. Já na periferia subdesenvolvida ou no limbo ex-socialista, onde a rapina corre solta, o gangsterismo pôde converter-se em regime de governo.
Parasitas de todas as espécies, uni-vos
O neoliberalismo na América Latina abriu a temporada de caça a tudo que restasse de público. Canibalização e loteamento dos Estados. Vampirização das nações. Os Presidentes tornaram-se sócios ou chefes de quadrilhas: Salinas no México, Andres Perez na Venezuela, Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fugimori no Peru e outros, mais ocultos e bem-sucedidos.
A rede mafiosa começou a reestruturar o mercado brasileiro nos anos 90. O esquema de PC Farias bem que tentou coordenar a pilhagem, mas faltou-lhe visão de longo prazo e articulação de parcerias estratégicas. A operação desmanche prosseguiu. Saqueadores externos e internos agiram em consonância como uma sociedade de benefício mútuo. Negócios requerem estabilidade institucional. Esquemas bilionários só se viabilizam com centralidade de comando, cooperação vertical e horizontal entre quadrilhas, órgãos públicos, empresas e bancos. O espólio deve ser dividido fraternalmente entre os cartéis. É a Pax mafiosa.
Vê-se a árvore mas não a floresta. A "onda de criminalidade" ou a "espiral de violência" não são nem ocasionais, nem externas. O crime tornou-se atividade sistemática e continuada, fruto de um planejamento estratégico profissional efetuado empresarialmente. O mal não nasce nas favelas e periferias. Seu berço é de ouro e se alastra a partir das altas rodas.
Adivinhe quem vem para jantar?
No condomínio do poder burguês, o crime organizado foi convidado a tomar assento privilegiado. Os cartéis e monopólios se apossam dos segmentos dinâmicos: lavagem do dinheiro, tráfico de drogas, armas, órgãos, crianças e prostitutas, seqüestros de primeira linha, assaltos a banco, carros-forte e cargas preciosas. Franquias, parcerias e terceirizadas precisam de concessão superior para cuidar do que sobra: roubo de automóveis, assaltos a casas e seqüestros-relâmpagos.
O fio que separa a economia legal da subterrânea é tênue. Setores que têm um papel-chave para as atividades de logística, distribuição e lavagem de dinheiro do crime organizado, como o sistema financeiro, o setor de transportes, o setor de lazer e de turismo - já se renderam ao poder "invisível".
As máfias daqui e de acolá tecem uma rede multifuncional que reúne distintas habilidades. Os presídios são reservas de mão-de-obra qualificada, resgatáveis a qualquer tempo. Criminosos de elite, pertencentes a diferentes grupos, são intercambiados na realização de operações conjuntas de alto valor. Nos seqüestros, uns se especializam na captura, outros na administração dos cativeiros. Execuções bem-feitas são o preço para a certificação de uma quadrilha ou para a manutenção de uma aliança estratégica. A centralização do planejamento do crime depende da especialização flexível das operações criminosas.
As faces e linguagens da morte
Nos aparelhos policiais e judiciais, a banda podre passa imperceptível. Quase todos já se acostumaram com o cheiro. A pulverização do comando, a ausência de uma política pública de segurança e os salários humilhantes fazem a gangrena avançar. O organograma criminoso absorve as autoridade de que precisa. Cobertura e seguro das principais operações do cartel, com direito a comissão. Ações diretas de seqüestro e assalto a banco. Suprimento de armas de alto calibre. Liberação de chefes e gerentes do esquema mediante fiança particular. Intimidação de testemunhas. Forja e incriminação de suspeitos. Desvirtuamento de inquéritos. Processos judiciais viciados. Sentenças ao gosto do freguês. O crime compensa e remunera.
A lumpen-burguesia emergente, isenta dos modos dissimulados da prima decadente, não hesita em sujar suas mãos de sangue. Não é uma questão de gosto ou de sadismo. A indústria da miséria e da exclusão ensinou-lhe a lição. A morte sempre fez parte do seu negócio. A novidade é a pirotecnia e a seletividade dos assassinatos. A crueldade em suas múltiplas nuances, tornou-se a única linguagem capaz de comunicar. "Presuntos" são desovados com marca e marketing. A execução é um ideograma que traz embutido a idéia do porquê se morre. Recados transmitidos a bala nos corpos de Prefeitos petistas e procuradores. Charada elementar: todos ligados nos desejos, nas ameaças e na força dos mandantes.
Enigma: se antes, quadrilhas territorializadas eram capazes de controlar bairros e regiões, o que poderão controlar, depois que se organizarem em rede? A Esfinge promete devorar aqueles que a decifrarem.
(*) Luis Fernando Novoa Garzon é sociologo,
professor universitário e membro do ATTAC-Brasil.