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10/06/2009

Atacando as injustiças do sistema
(...)
Sobre a exigência estabelecida no item B do despacho proferido pelo Excelentíssimo Juiz, qual seja: “b) documentos que sirvam como início de prova material contemporânea ao período que se pretende comprovar. Considerando a amplitude de documentos que podem ser considerados como início de prova material, bem como o fato de que a parte autora pretende comprovar o trabalho rural no período de 23/10/1994 a 23/10/2007 (156 meses anteriores a DER) ou de 10/10/1991 a 10/10/2001 (120 meses anteriores à idade mínima).”; informa-se que:

A Autora trabalhou por mais de trinta anos na lavoura, conforme mostram os documentos juntados na inicial;

Deve-se observar ainda que quem realmente trabalhou por mais de trinta anos na lavoura encontra-se, ao chegar a 50 anos ou menos, completamente esgotado em suas forças e saúde. É um trabalho penoso, degradante, sem horário para começar ou terminar e regado, muitas vezes, a uma alimentação fraca, sem os nutrientes necessários para repôr os desgastes físicos. Portanto, pensar que mais de trinta anos na lavoura é pouco, basta considerar que, essa mesma quantidade de tempo, gera aposentadoria por tempo de contribuição.

A Autora possui mais de 60 (sessenta) anos de idade, mais especificamente 63 (sessenta e três) anos de idade. Portanto, além da legislação previdenciária comum também é protegida, amparada, pela Lei 10741/03 (Estatuto do Idoso).

Mais do que isso, a leitura da legislação previdenciária comum, para pessoas com idade superior a 60 anos de idade, deve ser feita em conjunto, não só com a Constituição da República, mas também com o Estatuto do Idoso. Isso porque enquanto as normas previdenciárias comuns são exclusivamente técnicas, a Constituição e o Estatuto do Idoso relativizam-na e humanizam-na, ou seja, limitam e diminuem o fator técnico em benefício da dignidade humana e, no caso do Estatuto, em benefício da dignidade humana da pessoa idosa.

Certamente, o art.143, da Lei 8213/91 (norma previdenciária exclusivamente técnica) diz que: “O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. ” (grifei).

E também é pacífico que os tribunais, interpretando uma norma de forte conteúdo técnico, sejam contaminados pela tecnicidade da norma e considerem que: “A lei exige, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, o exercício de atividade rural, não o implemento do requisito etário.”

Qual lei que exige isso ??? A resposta é óbvia: a Lei 8213/91, assim como outras normas previdenciárias que regulam o caráter técnico dos benefícios.

E o despacho do Excelentíssimo Juiz, aplicando a norma técnica, também vai pelo mesmo caminho da tecnicidade, mostrando qual é o período imediatamente anterior que a norma exige, ou seja, “de 23/10/1994 a 23/10/2007 (156 meses anteriores a DER) ou de 10/10/1991 a 10/10/2001 (120 meses anteriores à idade mínima).”

Contudo, se sobram elementos técnicos e tecnicidade nas normas previdenciárias e nas decisões estatais, falta humanidade e justiça, pergunto: onde está o elemento que humaniza essa norma técnica e a aproxima da realidade social que tem que ser considerada, assim como as condições da pessoa sobre a qual incide a tecnicidade ??? Onde podemos encontrar esse fator de humanidade para aplicá-lo ??? Certamente, a resposta está na Constituição (Art. Fundamentos da República) e, neste caso específico, também no Estatuto do Idoso.

A legislação previdenciária, como já assinalei, deve ser lida em conjunto com a Constituição e à luz da Lei 10741/03 (Estatuto do Idoso) que no CAPÍTULO VII trata Da Previdência Social.

No caso da Lei 10741/03 (Estatuto do Idoso) interessa-nos o art. 30 que diz: “A perda da condição de segurado não será considerada para a concessão da aposentadoria por idade, desde que a pessoa conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data de requerimento do benefício.”

Certamente, o Estatuto do Idoso não se aplica apenas aos idosos que foram trabalhadores urbanos, mas sim a todos os idosos, incluindo aqueles que foram trabalhadores rurais. Como a regra trata da aposentadoria por idade e fala de contribuição, para aplicá-la aos trabalhadores rurais é preciso usar a técnica da analogia, seguindo o espírito do Estatuto do Idoso que visa dar concretude à dignidade da pessoa idosa.

Esse artigo 30 não fala em “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”, mas sim que a pessoa idosa (mais de 60 anos) que possua tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência, terá direito à aposentadoria por idade independentemente da perda da condição de segurado.

Usando a analogia; como as normas previdenciárias, para trabalhadores rurais, não exigem contribuição, mas sim comprovação de atividade rural, conclui-se, logicamente e com justiça, que, para pessoas amparadas pelo Estatuto do Idoso (mais de 60 anos), que foram trabalhadores rurais o termo “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício” é equivalente à condição de segurado.

Portanto, se o trabalhador que contribuiu perdeu a condição de segurado e, mesmo assim, pode receber o benefício, desde que tenha o tempo de contribuição igual à carência e seja enquadrado no Estatuto; para o trabalhador rural, enquadrado no Estatuto do Idoso, que tem mais de trinta anos de trabalho rural, devidamente comprovados documentalmente, a exigência de “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”, como condição para concessão da aposentadoria por idade é derrogado, ou seja, não se aplica.

Não se aplica porque é equivalente à condição de segurado citada no Estatuto do Idoso.

Dessa forma, a norma técnica previdenciária cede diante da norma que busca humanizar o sistema. A condição da pessoa (semi-analfabeta, pobre, trabalhadora rural por mais de trinta anos, mais de 60 anos de idade) é muitíssimo mais relevante e importante do que o cumprimento de uma regra técnica previdenciária. Com isso, o Estatuto do Idoso humaniza as normas técnicas da previdenciária para pessoas que possuem mais de 60 anos.

E por que esse dispositivo traz, para o ordenamento jurídico, esse conteúdo ??? Traz, justamente, para beneficiar as pessoas idosas que possuem tempo de contribuição, mas que perderam a condição de segurados, são idosos (não possuem mais condição para trabalhar) e necessitam do benefício. O Estatuto busca amparar, dar condições de vida, para esses idosos.

Estendendo isso para os idosos que foram trabalhadores rurais, chegamos, exatamente, em casos parecidos com esta demanda, ou seja, uma trabalhadora rural idosa (semi-analfabeta, pobre, mais de 60 anos de idade) que possui mais de trinta anos de atividade rural devidamente comprovados por um amplo conjunto probatório e que, por causa do termo “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”, equivalente à condição do segurado, tenha seu benefício indeferido pela norma técnica da previdência. Norma que não vê as condições da pessoa, mas trata todos com a mesma frieza e desumanidade.

Quem vê as condições da pessoa é o Juiz. É ele que deve aplicar os princípios do direito e da justiça, limitar e minimizar a tecnicidade de normas que violam a dignidade humana e o princípio da razoabilidade. O Juiz deve resguardar a dignidade humana. Nesse caso deve aplicar, sem nenhuma dúvida, a regra jurídica que diz: “Justiça não é tratar os desiguais igualmente, não é tratar os iguais desigualmente, mas sim tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na exata medida de suas desigualdades.”

O Estatuto do Idoso tem a finalidade de proteger e garantir dignidade humana da pessoa idosa, de dar-lhe um meio de vida, um meio de subsistência, considerando aquilo que a pessoa fez ao longo de sua vida. Se trabalhador urbano idoso, não importa se perdeu a condição de segurado, terá direito à aposentadoria por idade desde que tenha um tempo de contribuição igual à carência do benefício. Se trabalhador rural idoso, não importa o termo “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”, mas sim que prove atividade rural pelo tempo igual à carência do benefício.

Inegavelmente, o Estatuto do Idoso (Lei 10741/03) é uma norma que interfere na legislação previdenciária comum (CAPÍTULO VII - Da Previdência Social), modificando as exigências técnicas, desumanas muitas vezes, das normas previdenciárias. O Estatuto do Idoso humaniza essas normas e concretiza a ideia de que os Direitos Sociais são Direitos Humanos e as decisões estatais devem garantir a dignidade humana, principalmente dignidade da pessoa idosa.

Nesse caso, a Autora comprovou documentalmente sua condição de trabalhadora rural, semi-analfabeta, pobre, com mais de 63 anos de idade e que trabalhou na roça por mais de trinta anos, porém, não possui documentos para o tal “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”. E, por conta disso, o seu pedido de benefício corre o risco de ser indeferido. Certamente, é um requisito técnico da norma, porém, é um requisito humano, é um requisito justo ???

Portanto, a aplicação do Estatuto do Idoso, fazendo a analogia do seu art. 30 para os idosos que foram trabalhadores rurais, permite corrigir essa grande injustiça, pois o artigo citado possibilita o uso dos mais de trinta anos de trabalho na lavoura, devidamente comprovados, para suprir o famigerado “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”.

Além disso, seguindo o Estatuto do Idoso e fazendo a analogia supra-citada, o art. 283 do Código de Processo Civil é plenamente satisfeito, pois já foram juntados aos autos documentos que comprovam mais de trinta anos de trabalho na lavoura pela Autora, sua idade avançada. Logo, seu direito de receber o benefício que foi negado pela Autarquia Previdenciária sob os argumentos: 98 – FALTA DE COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE RURAL EM NÚMEROS DE MESES IDENTICOS A CARÊNCIA DO BENEFÍCIO; 35 – FALTA DE PERÍODO DE CARÊNCIA – NÃO COMPROVOU EFETIVO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. Logo, não há razão ou motivo que justifique julgar improcedente a ação.

Ressalta-se ainda que o julgamento favorável à Autora abrirá uma porta para a justiça, para a erradicação da pobreza e da marginalização dos trabalhadores rurais, assim como redução das desigualdades e garantia de dignidade humana para os idosos que possuem um longo tempo de trabalho rural, mas que não conseguem obter o benefício da aposentadoria por idade por causa do famigerado “período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”.


Isto posto, requer:

1.A aplicação, neste caso, das disposições da Lei 10741/03 (Estatuto do Idoso), principalmente estendendo o art. 30, por meio de analogia, à Autora desta demanda que possui 63 anos de idade e necessita, urgentemente, desse benefício;

2.Que o“período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”, fazendo analogia com “A perda da condição de segurado” do art. 30 da Lei 10741/03, não seja considerada para a concessão dessa aposentadoria rural por idade e que o período de carência do benefício, também nos termos do art. 30 da Lei 10741/03, seja contado dentro dos mais de trinta anos de trabalho na lavoura, devidamente comprovados nos autos, realizado pela Autora;

3.A continuidade normal do processo, inclusive concedendo a Tutela Antecipada solicitada, a fim de amenizar as necessidades econômicas da Autora;

4.Sensibilidade, humanidade e compromisso com o Justo, do Excelentíssimo Juiz no julgamento desse caso.