Antigos líderes Estudantis dizem que o Movimento de Estudantes da atualidade não tem mais a importância histórica nem eco social de outrora. E cada um deles descreve o que foi o Movimento em seu tempo.
Contudo, a crítica desses ex-líderes estudantis não pode ser levada a sério e deve ser enquadrada como uma terrível "dor de cotovelo". Pior do que isso: é uma tentativa de esconder o que está ocorrendo nesse momento.
Essa crítica não pode ser levada a sério porque eles, os antigos líderes, fizeram parte de uma época hostil, onde a ditadura estava nas ruas e o autoritarismo mostrava a cara, vestia uniforme e usava fuzil, pau-de-arara, etc para oprimir e perseguir. Hoje a ditadura está camuflada e o autoritarismo está nos gabinetes, veste terno e gravata e usa a caneta, os ofícios e os processos judiciais para oprimir e perseguir.
Não podemos aceitar a crítica desses ex-líderes estudantis porque hoje eles vêem o mundo de cima para baixo. Não são mais estudantes e não entendem mais a luta estudantil. Viraram burocratas. Viraram governo e perseguem os estudantes. Por isso eles dizem que o Movimento Estudantil perdeu a importância histórica e o eco social. Eles dizem que perdeu para tentar encobrir o poder que o Movimento atual mostrou com as séries de ocupações realizadas nos últimos dias. Descaracterizam o Movimento atual para tentar enfraquecê-lo. Descaracterizam o Movimento atual para tentar conter as chamas que se alastram. Falam mal do Movimento atual porque estão do outro lado da trincheira.
Resumindo: mudou a posição social, muda a visão do indivíduo sobre a realidade, assim como seu discursos, suas causas e sua luta.
O Movimento Estudantil não tem mais o eco social de outrora, pois o eco do Movimento atual é muito maior do que foi o eco social de outrora. Isso porque hoje nós temos uma tecnologia que nos coloca a vários anos-luz na frente do antigo movimento que usava pombo-correio. Basta ver que a ocupação que começou na USP se espalhou rapidamente por todo o país e para o exterior. Em pouco tempo chegaram monções de apóio de todos os lados e de todas as organizações. Em pouco tempo os estudantes de todas as Universidades e escolas do país entraram em sintonia com o Movimento de ocupação, iniciando uma reação em cadeia. Se o eco social do Movimento atual não fosse muito, mas muito superior, ao eco do Movimento dos estudantes antigos isso não teria acontecido.
Além disso, tudo o que dizemos e escrevemos hoje é lido, relido e comentado. Inclusive, por meio da internet, temos capacidade para rebater, em tempo real, as mentiras da mídia de massa e a versão oficial do Governo. Isso não acontecia na época do regime militar, onde imperava a versão oficial e a censura controlava o resto. Durante a ditadura o governo sempre tinha razão, pois ninguém tinha a mesma capacidade do Estado para atingir um grande número de pessoas e contar a outra versão da história. Hoje temos essa capacidade e sabemos utilizá-la com grande maestria.
Hoje as pessoas sabem o que realmente está ocorrendo e as razões da luta estudantil. Não só isso, quando lêem uma notícia duvidosa no jornal, para tirar a história a limpo, acessam rapidamente o site dos estudantes. Temos sites, temos blogs, lista de discussão, lista de emails, etc. Estamos conectados uns aos outros. E se batem em um, rapidamente o golpe é sentido e refletido por todos. Somos revolucionários HighTech.
Também considero que os estudantes de hoje são muito mais politizados que os estudantes de antigamente. Os estudantes antigos não eram politizados, eram doutrinados pelos partidos de esquerda ou de direita. Tinham um visão de mundo completamente distorcida pelo conflito ideológico da Guerra Fria, ou seja, antigamente eles tinham que pertencer a um grupo fechado e rezar a cartilha do grupo de cabo a rabo. Não podiam questionar as ordens do partido e do grupo a que pertenciam. Se questionasse estava fora. Contudo, só haviam dois grupos: a direita e a esquerda. Enfim, os estudantes antigos não eram politizado, mas sim dominados por uma das ideologias vigentes.
Hoje nós somos politizados porque nós temos liberdade, não só para escolher, mas, principalmente, para saber o que estamos escolhendo. Mais do que isso, temos liberdade para adaptar aquilo que escolhemos à nossa individualidade, às nossas diferenças e à nossa realidade. Somos comunistas com uma pitada de capitalismo e de neoliberalismo ou, então, somos capitalistas que gostam de algumas regras comunistas. E existem aqueles que não querem nem uma coisa e nem outra, ou seja, tudo o que querem é viver sem se envolver. Inclusive chegaram a criar um partido político chamado "Socialismo e Liberdade". Imagine só: socialismo e liberdade de mercado, livre iniciativa, etc.
Contradição ? Perversão ? Nada disso. Temos liberdade para ser o que quisermos e para lermos a cartilha que quisermos, inclusive para criar a nossa própria cartilha. Somos politizados porque não somos obrigados a escolher uma entre apenas duas cartilhas: uma vermelha e uma verde. Quem lê a verde não pode ler a vermelha. Quem segue a vermelha não pode seguir a verde. Isso não faz sentido atualmente. Acabou o autoritarismo ideológico. E a nossa luta hoje é para manter essa liberdade e ampliá-la ainda mais. É uma luta sensata, coerente e justa.
O Movimento Estudantil atual não reza nenhuma cartilha ideológica e não tem suas bases oriundas em um partido político. Acho que o "politizado" utilizado pelos ex-líderes estudantis tem a ver com isso. Não há ligação entre o Movimento atual de Estudantes e os Partidos Políticos. Enquanto o antigo Movimento era controlado pelos partidos de esquerda, o Movimento atual é independente.
Essa separação ocorreu porque hoje não há uma identificação direta entre os movimentos sociais e os partidos políticos. Antigamente o Movimento Estudantil e os partidos tinham objetivos comuns e combatiam na mesma guerra. Hoje não. Hoje os partidos políticos veêm nos movimentos sociais uma forma de angariar votos para vencer as eleições. Vencem as eleições, mas não defendem as causam dos movimentos sociais que os elegeram. Temos diversos ex-líderes estudantis no Congresso e no Governo. Muitos deles venceram as eleições com os votos dos estudantes. E o que esses líderes fazem pelos estudantes e pelas causas estudantis ? Nada. Não fazem nada. Pior, alguns deles atacam os estudantes com unhas e dentes. São traidores. Viraram as costas para os estudantes e por isso os estudantes viraram as costas para os partidos políticos.
Certamente, desse ponto de vista, não somos e nem queremos ser "politizados". Acho que o termo correto não é "politizado", mas sim "politicado". Não queremos a politicagem e as mentiras dos Partidos Políticos atuais que usam a coletividade e os Movimentos Sociais para obter votos nas eleições w depois viram as costas e ignoram as demandas e as causas sociais. E isso é uma tendência que deve se espalhar para todos os Movimentos Sociais. Movimento Social é uma coisa, partido político é outra e governo é uma terceira. E essas coisas não podem ser misturadas.
Partido político inserido dentro de um Movimento Social é igual um vírus da AIDS dentro de uma célula, destrói a célula, destrói o movimento. Basta ver as várias tentativas do Serra e da mídia autoritária de caracterizar a ocupação da Reitoria da USP como um movimento controlado por partidos de extrema esquerda. Se a ocupação fosse controlada por partidos de extrema esquerda o que teria acontecido ? Fizeram isso para deslegitimar a ocupação, pois a presença de partidos reduz a força do Movimento, divide o Movimento, enfraquece o Movimento. Partido Político e time de futebol separam as pessoas e não podem estar presentes em ações que buscam juntar as pessoas para a luta.
Certamente, isso não exclui a presença de militantes de Partidos Políticos nos Movimentos Sociais. Podem participar, mas como cidadãos, como um ente da coletividade. Não como Partido Político. Não podem usar os Movimentos Sociais como alavanca para eleição e nem podem tentar falar em nome desses Movimentos. Se os Partidos Políticos querem ajudar um movimento social devem adotar suas causas e lutar para a concretização de seus objetivos no Congresso Nacional. Os ex-líderes estudantis deveriam propor leis que garantissem a assistência estudantil, a autonomia universitária, educação pública gratuita e de qualidade, etc. Deveriam defender no Congresso e não entrando dentro do Movimento para cooptar seus integrantes e para controlar suas ações.
E isso também se aplica ao governo que assimila os líderes dos Movimentos Sociais, não para ajudar o Movimento em sua luta, nas suas causas e nos seus objetivos, mas sim para parar as manifestações do Movimento, impedi-lo de se manifestar contra as ações nocivas do Estado contra a coletividade. Certamente, o governo é esperto. Convence o Movimento de que atenderá suas causas e como exemplo de boa vontade dá uma banana para o movimento. Em troca disso, o Movimento deve apoiar o Governo em suas reformas, principalmente, na redução das liberdades públicas e dos direitos da coletividade. Os líderes cooptados pelo Governo vendem o Movimento em troca de uma banana. Para o Governo é um bom negócio. Para a coletividade é um desastre.
Outro ponto que sobressai no Movimento Estudantil atual é a defesa da coletividade de estudantes e o desenvolvimento de ações genéricas que beneficiam toda a sociedade e os demais Movimentos Sociais. Lutamos contra o autoritarismo do Governo e da mídia de massa e para isso usamos a tecnologia. Um modelo de ação que deve ser espalhado e disseminado em outros Movimentos Sociais. Lutamos por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Isso beneficia toda a sociedade, principalmente os mais pobres. Lutamos por mais assistência estudantil e inclusão, nas universidades públicas, dos estudantes que sempre tiveram como única opção de estudo o ensino público gratuito.
Enfim, acreditamos que a Universidade Pública, gratuita e de qualidade é um caminho essencial na redução das desigualdades sociais e regionais do país, pois ela transforma um aluno pobre, filho de um agricultor, em um doutor. Transforma um filho de um operário em um cientista. Transforma um morador da periferia em um filósofo, em um engenheiro, etc. Observem, observem atentamente, que a região mais rica do país é aquela onde se localiza as melhores Universidades brasileiras. Isso não é mero acaso. Portanto, a luta estudantil é sensata, é coerente e é justa.
Além disso, lutamos no módulo turbo e sem líder, ou seja, um Movimento Social deve ter objetivos claros e as decisões devem ser tomadas por assembléias. Nenhum líder deve controlar o Movimento. E o Movimento não deve depender de nenhum líder. Todos podem falar e todos os integrantes do Movimento devem ser ouvidos. Não necessariamente falar em assembléia, podem falar em textos, em faixas, em cartazes, em charges, em música, em vídeos, etc. Todos tem poder para falar e devem ser lidos, questionados, discutidos, etc.
A tecnologia e o módulo sem líder foram os diferenciais do Movimento de Ocupação da Reitoria da USP. A tecnlogia projetou o movimento e gerou uma reação em cadeia, ligando todos os estudantes do Brasil. O módulo sem líder impediu a pressão, a corrupção e a ação do Governo sobre o Movimento. Basta lembrar que a primeira coisa que a Reitora fez foi chamar o DCE-USP, suposto líder dos estudantes da USP, para uma reunião secreta. E o DCE-USP saiu da reunião falando em desocupação. Quebraram a cara, pois o DCE-USP não falava pelos estudantes da ocupação. Não só isso, tentaram cooptar e corromper uma diversidade de outros integrantes do Movimento, mas nada funcionou, pois os corrompidos eram detectados pela maioria e ignorados em suas palavras de "desocupa".
Isso deixou o Governo e os dirigentes públicos completamente desnorteados, não tinham quem corromper. Não tinham quem cooptar. Ficaram desnorteados porque sempre mataram movimentos coletivos corrompendo e atacando as lideranças. No Movimento de Ocupação da Reitoria da USP isso não se aplicou. Certamente tentaram de todas as formas. Tentaram apontar líderes. Tentaram criar líderes, contudo o movimento rodava no módulo sem líder. Logo, tiveram que negociar com uma comissão específica que somente se reportava à assembléia de estudantes. Esse diferencial também deve espalhar-se para outros Movimentos Sociais. A lição é: antes do movimento façam uma lista de objetivos, dividam comissões e rodem o movimento no módulo sem líder. Assim, o Governo será obrigado a negociar com o Movimento e não com lideranças corruptas. Sem contar que as vantagens pessoais oferecidas pelo Governo para líderes específicos não terão efeito.
Sobre a importância histórica do Movimento Estudantil atual, citada pelos líderes antigos como inexistente, não podemos afirmar nada. Importância histórica é apontada pela História. E somente o tempo tem poder para criar a História. Não é possível falar em importância histórica de movimentos contemporâneos.
Portanto, a ocupação da Reitoria da USP deflagra uma nova era para os Movimentos Sociais e coletivos. A coletividade se levanta com novas ferramentas e instrumentos de manifestação. A coletividade e o povo começam a reivindicar os direitos lhes pertencem. E agora temos tecnologia para expor nossas opiniões, exigir mudanças, exercer o poder que é nosso e reunir todas as vontades, ao mesmo tempo, em um só ponto. Sempre disseram que o poder emana do povo. A partir de agora o poder não vai mais emanar do povo, mas sim as leis, as decisões, as soluções, etc. A coletividade deve exercer o poder que lhe pertence. O povo é quem manda. O governo obedece.