Os Generais caíram, mas a burocracia autoritária continuou trabalhando

Hoje a USP está dividida. De um lado professores que apóiam a ocupação da Reitoria e de outro professores que condenam a ocupação. De um lado professores que gritam por negociação sem a presença da polícia e de outro professores que chamam o batalhão de choque da PM e a repressão. De um lado professores que pregam e exigem Democracia e de outro professores que defendem o autoritarismo e regimes fascistas. De um lado docentes a favor dos alunos e da coletividade e de outro docentes a favor do Estado e da classe dominante.

Por que ocorreu esta divisão ? Não seria a Universidade um Centro de Pensamento e de defesa da Democracia, das negociações, etc ? Um Centrro contra todo tipo de repressão e autoritarismo ? Seria, se uma coisa não tivesse acontecido em um passado próximo: os Generais caíram, mas a burocracia autoritária continuou trabalhando.

O regime militar acabou no plano político, mas continuou dentro da Administração Pública. Todos os colaboradores do regime que ingressaram no serviço público por ordem dos Generais continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido. O Governo Democrático entrou, mas teve que vestir as roupas, os instrumentos e aceitar os criados do autoritarismo.

Por isso vivemos dentro de um regime esquizofrênico. De um lado pessoas que trabalham arrojadamente para estabelecer um sistema Democrático e um Estado de Direito efetivo e de outro um grupo de burocratas que tentam manter os velhos hábitos autoritários da ditadura. De um lado professores que gritam por democracia e negociação e de outro docentes que chamam o batalhão de choque.

Isso acontece, principalmente, no Judiciário. Os desembargadores de hoje começaram suas carreiras como Juízes durante o regime militar. Não só os desembargadores, mas muitos professores da USP, assim como de outras universidades, entraram no serviço público por ordem dos generais ou em concurso acompanhado de perto pelo Generais. Opositores do regime não entravam no serviço público. Basta lembrar que a maioria dos opositores do regime estavam exilados, presos ou escondidos. Os que continuaram trabalhando apoivam diretamente a ditadura ou fingiam que apoivam.

Isso explica perfeitamente o que está ocorrendo na USP hoje. Isso explica o porquê de não conseguirmos estabelecer um Estado de Direito efetivo no Brasil, assim como a Democracia, reduzir as desigualdades, etc. Não conseguimos porque parte dos burocratas da administração públicas foram contratados pelos militares, sob supervisão dos militares ou em concursos promovidos pelos militares. A ditadura acabou na esfera política, mas continua dentro da administração pública.

Certamente, existem pessoas que foram contratadas pela ditadura, mas que posteriormente se converteram ao regime democrático. Contudo, essas pessoas são minoria. A maioria dos filhotes da ditadura continuam aplicando e desenvolvendo o pensamento autoritário.

Isso ocorreu principalmente dentro da Polícia, inclusive dentro do serviço secreto da ditadura. Todos os arapongas e agentes do regime militar continuaram trabalhando. Certamente, os órgãos mudaram de nomes, as viaturas mudaram de cores, os uniformes mudaram de estilista. Mas o velho pensamento autoritário continuou dando as ordens, prendendo pessoas, investigando, usando pau de arara, choque elétrico, etc.

Inclusive, contam alguns pescadores, que os torturadores da ditadura, cansado daquele serviço monótono, resolveram mudar de repartição e foram trabalhar na Secretaria de Direitos Humanos. Como tinham uma longa ficha de trabalho com presos e excluídos foram aprovados com louvor.

Não só isso. Após a democratização e a constituição de 1988 formaram-se pequenos grupos dentro da burocracia estatal. Grupos parecidos com máfia e cuja finalidade é reunir pessoas que tem pensamento autoritário parecido com os burocratas para substituí-los nos cargos. Certamente, isso não se aplica a cargos de pequena relevância, mas sim a cargos de grande peso. Assim, os concursos para Juiz continua sendo um concurso autoritário, onde a prova oral e outras avaliações subjetivas visam deixar ingressar na carreira da Magistratura apenas pessoas conservadoras e, na maioria das vezes, com um pensamento autoritário. Pessoas que julgam com base na razão de Estado, na Constituição da Ditadura, AI5, etc. Pessoas que julgam contra os direitos da coletividade, os movimentos sociais, etc.

Isso explica a sentença de reintegração de posse da USP, a absolvição dos policiais e do Coronel Ubiratan, a absolvição dos policiais e demais oficiais que comandaram o massacre de Carajás, etc.

Isso também se aplica nos concursos da USP. Inclusive hoje, no concurso de seleção para Professor Titular da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) eu ouvi exatamente isso. Um dos Professores da banca lembrou que o candidato já tinha passado por outros membros da banca em outros concursos (doutorado, livre-docência) e que isso significava que todos se conheciam a um bom tempo, etc. Isso mostra que o concurso é uma máfia e que só vira Professor Titular da USP quem é integrante da máfia a um bom tempo. Novato não entra nem com reza braba. Certamente, existem as exceções, mas a regra é o corporativismo. E pior, chamam isso de mérito.

Não só isso, indica que o concurso, com esses critérios subjetivos, seleciona apenas aqueles que estão alinhados com o pensamento autoritário dos selecionadores. São velhos amigos. Defenderam juntos o regime militar, etc.

Essas pequenas máfias dentro da burocracia estatal perpetua o pensamento autoritário e impede a instalação da Democracia plena, assim como do Estado de Direito no Brasil. Não só isso, desvirtua completamente a administração pública que acaba se transformando em uma cadeia de apadrinhados. Lembrem da Carta do Pinotti pedindo vaga na Pós-Graduação da USP.

Por que você acha que os arquivos militares não são abertos no Brasil ? Por que o Presidente Lula não quer ou por ação das "Forças Ocultas" ?

Portanto, aqui na USP a ocupação está revelando quem são os filhotes da ditaduras, ou seja, quem são os burocratas autoritários que trabalham contra a coletividade, contra os movimentos sociais, contra a Democracia, contra o Estado de Direito e contra a autonomia da Universidade. Não estão só aqui na USP e no Judiciário, mas estão em toda a Administração Pública, principalmente em Brasília. Inclusive pode-se dizer que eles compõem a chamada "Forças Ocultas". Estão por baixo dos panos, conspirando contra os movimentos sociais, contra os líderes democráticos, contra a ocupação na USP, etc.

Esses indivíduos devem ser mapeados. Isso porque se quisermos construir uma Democracia, sem desigualdades sociais e um Estado de Direito efetivo teremos que arrancá-los de dentro da burocracia estatal. Não só eles, mas também seus herdeiros. A administração pública tem que ser depurada. Temos que fazer uma revolução cultural dentro da burocracia.

Olhe bem de perto para quem está chamando o choque para a ocupação. Veja os detalhes e analise suas carreiras. Você verá exatamente o que eu disse. Se ainda não acreditou cruze a vida e a formação dessas pessoas com a ditadura e você verá que a maioria delas passou ilesas pelo regime. Certamente, existem pontos fora da reta. Mas a exceção não é a regra.