Coordenador da campanha do PSDB é acusado de corrupção
Revista Isto É - Hugo Marques - 26/07/2006
 
Força-tarefa de auditores da Receita conclui investigação e aponta que  coordenador de Geraldo Alckmin criou empresas com “laranjas” e emitiu notas  frias para arrecadar dinheiro junto a fornecedores do DNER .
Na manhã da quarta-feira 19, um sorridente Eduardo Jorge Caldas Pereira recebia  os políticos e convidados para a inauguração do comitê de campanha do  presidenciável Geraldo Alckmin em Brasília. De braços abertos, saudava:  “Bem-vindos, bem-vindos!” Ex-secretário-geral da Presidência da República no  governo de Fernando Henrique Cardoso, ele agora é um dos coordenadores da  campanha de Alckmin. De grand réceptionniste da festa, EJ, como Eduardo Jorge é  chamado, sumiu em minutos, antes mesmo da chegada de Alckmin. A mudança de  semblante aconteceu após ele ser informado por ISTOÉ do conteúdo de um dossiê  feito por uma força-tarefa de auditores da Receita Federal. A documentação está  guardada sob o manto do segredo de Justiça, em dois processos que tramitam em  Brasília. Ao analisar as contas de Eduardo Jorge, os auditores encontraram  doações ao PSDB com recursos oriundos do Erário público, movimentação  incompatível com a renda, uso de “laranja”, distribuição fictícia de lucros e  “notas fiscais frias”, entre outros crimes. O homem que sobreviveu a alguns dos  principais escândalos no governo de FHC – e não foi condenado em nenhum –  tentava nesta campanha dar a volta por cima da imagem arranhada. Será difícil.  “Vou apresentar documentos à Justiça e mostrar que a história é outra”, promete.  Informado sobre os relatórios que o envolvem com os crimes, ele disse que as  informações serão dadas posteriormente.
O “Relatório Final”, um dos documentos do dossiê, é a compilação dos crimes.  Está anexado a um processo da 3ª Vara da Justiça Federal. O documento é assinado  pelos auditores Marco Antonio Macedo Pessoa, Washington Afonso Rodrigues e  Vicente Luiz Dalmolim. Os auditores são contundentes ao discorrer sobre “doações  ao PSDB com recursos oriundos do Erário”. Eles concluíram que os valores  repassados pelas empresas de Eduardo Jorge à campanha da reeleição de FHC em  1998 “tiveram por origem recursos oriundos de órgãos públicos, mormente do  DNER”. O DNER é o extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, hoje DNIT,  responsável pela contratação de empreiteiras e um tradicional foco de corrupção  federal. Para concluir que o dinheiro do DNER irrigou a campanha de FHC com R$  250 mil, os auditores fizeram análise dos contratos de prestação de serviços das  empresas de Eduardo Jorge com a seguradora Sul América e dos contratos desta  empresa com o DNER, o Ibama, o Ministério do Exército e o Palácio do Planalto. O  exame do conjunto de documentos revelou que a origem integral dos lucros gerados  pelas empresas Metacor e Metaplan, ambas de EJ, foram os contratos assinados  pelo DNER com a Sul América Seguros entre 1993 e 1995. Estes contratos “foram  dados em administração” para a Metacor e a Metaplan. Concluíram, desta forma,  que EJ seria o responsável pela “captação” de órgãos públicos para fechamento de  contratos com o grupo Sul América.
Eduardo Jorge também está envolvido com um esquema de notas fiscais frias. A  partir de uma amostragem, a investigação levantou a situação fiscal dos  emitentes de notas fiscais para as empresas de EJ, visitou sedes das firmas e  entrevistou seus titulares. Notas fiscais contabilizadas por Metacor e Metaplan  como despesas não foram oferecidas pelos emitentes à tributação. A força-tarefa  concluiu que houve “planejamento ilícito” para uso de tais simulacros. De oito  notas de fornecedores analisadas, cinco não foram declaradas à Receita, duas  estão com valores declarados pela metade e outra é de empresa inativa. Os  emitentes de notas fiscais declararam à força-tarefa que suas empresas foram  constituídas visando fornecer notas para as empresas Metacor e Metaplan. Para  isso, eles recebiam “ordens hierárquicas superiores”. As empresas Pap  Investimentos e O Comprador só emitiam notas fiscais para a Metacor e a Metaplan.  Para os investigadores, estas “empresas de papel” eram parte da trama para  fornecer nota fiscal para dar cobertura à saída de recursos e evitar tributação.  Além das notas fiscais frias, foram detectadas empresas fantasmas, verdadeiras  usinas de produção de notas. Onde deveria funcionar a Monte Castelo Idéias Ltda.  foi encontrado um hotel.
A partir de uma análise das correspondências de Eduardo Jorge, a força-tarefa  identificou suas “confissões” espontâneas. A Receita fez uma análise das  correspondências eletrônicas que EJ trocou com os sócios e concluiu pela  existência de montagem de passivo fictício, participação como sócio oculto e uso  de “laranja” na empresa VML Corretora de Seguros. Em uma das mensagens sobre a  VML, ele pergunta aos sócios: “Não estaria na hora de se formalizar as  participações?” Os documentos revelam a saída “forjada” de EJ do quadro social  de algumas empresas para fraudar a Fazenda Pública, concluem os investigadores.  É movimentação financeira incompatível com a renda declarada. Os auditores  encontraram irregularidades nas contas pessoais de EJ. Em 1999, primeiro ano do  segundo mandato de FHC, Eduardo Jorge declarou bens no valor de R$ 2 milhões, um  aumento de 107% em relação ao ano anterior. Funcionário de carreira do Senado,  naquele ano ele movimentou R$ 1,7 milhão em sua conta bancária. É o que atesta a  declaração da CPMF apresentada pelo Unibanco à Receita. Os recebimentos que EJ  chamou “falsamente” de lucros e dividendos, segundo um dos relatórios, somam R$  577 mil – foram R$ 352 mil recebidos da Metaplan, R$ 125 mil da LC Farias e R$  100 mil da EJP. Um dos relatórios conclui que há fortes indícios de que essa  soma apresenta sinais de não possuir origem comprovada.
O que poderá complicar ainda mais a vida de Eduardo Jorge são os depoimentos em  mãos da força-tarefa. Em setembro, o ex-contador do Grupo Meta, Luiz Eduardo  Poças Fonseca, foi à Procuradoria da República no Distrito Federal. Ele  ingressou no grupo em 1994, como auxiliar contábil, e saiu como contador em  setembro de 2000. Fonseca cuidava pessoalmente da contabilidade da Metacor e da  Metaplan. Eduardo Jorge tinha uma sala dois andares abaixo. Despachava protegido  por sistema de segurança especial e grades de proteção. Em seu depoimento, o  contador revelou que as unidades da Metaplan e da Metacor em Barueri, em São  Paulo, foram abertas com o objetivo de pagar menos impostos, “funcionando como  empresas de fachada”. Fonseca achava estranho a empresa não ter lucros e mesmo  assim a diretoria determinar a distribuição de dinheiro entre os sócios. Revelou  ainda que as notas fiscais da empresa Oikos, envolvida com notas fiscais frias,  tinham ligação com um tal de Joãosinho, funcionário do grupo que tinha sala  dentro do DNER, de onde saía o dinheiro do PSDB. Era a ponta do esquema dentro  do serviço público.
O carma de EJ teve início em 12 de agosto do ano passado. A Justiça Federal  remeteu ao Ministério Público 125 caixas com documentos custodiados na  Corregedoria-Geral da Receita Federal. Foi instaurado um inquérito civil  público. A força-tarefa teve acesso também a livros-caixa, correspondências e  declarações de bens do ex-ministro e de suas empresas. Os investigadores  colheram depoimentos de contadores e personalidades que tiveram negócios com EJ  e suas empresas. Como resultado da análise, foram encontrados oito tipos de  crimes. A força-tarefa concluiu que somente no ano de 1998 duas das principais  empresas do ex-secretário, a Metacor e a Metaplan, omitiram receitas no total de  R$ 1,73 milhão. No ano seguinte, concluíram os auditores, houve distribuição de  lucros fictícios para EJ. Ele sacou R$ 352 mil das suas empresas sem que elas  possuíssem fundos suficientes para distribuir lucros, o que torna este registro  uma “fraude contábil”, diz um dos relatórios.
Após análise de todo o dossiê sobre Eduardo Jorge e de 28 pessoas físicas e  jurídicas envolvidas com as irregularidades, o Ministério Público impetrou ação  civil pública na Justiça Federal de Brasília, que corre sob segredo de Justiça.  Segundo a Justiça Federal, a ação é por ato de improbidade administrativa e foi  impetrada contra Eduardo Jorge Caldas Pereira, as empresas Metacor e Metaplan.  Os procuradores Lauro Pinto e Valquíria Quixadá pedem ressarcimento do Erário e  perda dos bens e dos direitos políticos de Eduardo Jorge. O ex-secretário já  teve acesso aos autos. “Está nas mãos do juiz para despachar”, disse ele a  ISTOÉ. “Vou apresentar documentos.” Nervoso, acrescentou: “Não vou misturar  assuntos pessoais com campanha.” No início da tarde da quarta-feira 19, EJ  reapareceu no comitê de Alckmin. Já não exibia o sorriso e a alegria demonstrada  na inauguração daquela manhã – mas somente um semblante sombrio.
