Democratizar o conhecimento e socializar os saberes como ferramenta para transformação social e econômica. Democratizar e socializar para reduzir as desigualdades regionais. Democratizar e socializar para dar oportunidades. Democratizar e socializar para dar esperanças e certezas de um futuro melhor. O poder transformador do conhecimento, monopolizado e retido nas melhores Universidades Públicas, tem que ser disseminado, gratuitamente, para toda a sociedade.

16/07/2009

MAIMÔNIDES E O CONSUMO

Todos os males que afligem o homem podem ser classificados em três tipos. O primeiro é o dos males que vêm da própria natureza, aos quais o homem está sujeito, como todos os serem que nascem e vivem expostos à corrupção. Assim é, por exemplo, que alguns indivíduos são atacados por enfermidades como a paralisia, desgraças que, ou são congênitas, ou lhes sobrevêm por alterações acontecidas em seu organismo, provocadas por elementos, tais como a poluição do ar, os raios do céu e os rigores do sol.

Aquele que, sendo de carne e osso, ao mesmo tempo proteger-se contra todos os acidentes da matéria, está querendo o impossível, pois, sendo matéria, pretende escapar às condições da matéria. É certo que os males desse tipo que acontecem aos homens são menos numerosos do que poderiam ser. Com efeito, aí estão as cidades que há milhares de anos escapam de inundações e de incêndios. Aí estão milhares de homens que nasceram e vivem perfeitamente válidos. Até mesmo se pode dizer que um homem que nasce inválido é uma exceção, não representando sequer a centésima ou milésima parte dos que vivem num Estado.

Os males do segundo tipo são os que os homens causam uns aos outros, como, por exemplo, a tirania que alguns déspotas impõem aos seus semelhantes. Esses males são mais numerosos do que os da primeira espécie, e suas causas são múltiplas e bem conhecidas. Também decorrem de nós mesmos, mas suas vítimas são em geral impotentes para livrar-se deles.

Há, porém, uma coisa que, de certa forma, poderia ser um consolo para o mal da tirania: em nenhuma cidade em que ela se tenha instalado, sua duração consegue ser muito longa, e as pessoas acabam se livrando dela. O mesmo se pode dizer das violências que os homens desencadeiam entre si, uns contra os outros. Pois é raro que um homem descubra outro entrando de noite em sua casa para matá-lo ou para roubar seus bens. Na verdade, os males praticados pelos homens contra seus próprios semelhantes só encontram proporções muito grandes, abrangendo grande número de pessoas, durante as guerras. Mas os períodos de guerra são também uma exceção na vida dos povos.

Os males do terceiro tipo são os que o homem provoca contra si mesmo, o que é muito frequente. Estes males são muito mais numerosos do que os do segundo tipo. Todos os homens se lamentam dessa espécie de males, mas são muito poucos os que se consideram culpados quando eles os atingem. Os que são atingidos por esses males merecem uma censura. Podemos dirigir-lhes aquelas palavras do profeta: "Isto foi armado contra vós por vossa própria mão" (Malaquias - 1 - 9).

A esse propósito, vale a pena lembrar a advertência dos Provérbios: - "Por sua própria mão estão se destruindo". Ou ainda a palavra de Salomão: - "A estupidez do homem perverte seus caminhos". Em outro lugar, igualmente, deixam claras as Escrituras que é o próprio homem que atrai contra si essa espécie de males: "Na verdade, descobri que Deus criou os homens justos e eles é que se tornaram depravados por seus pensamentos ruins" (Eclesiastes - VII - 29). E Jó, do fundo de seus sofrimentos, exclama que "a desgraça não surge da poeira e os tormentos não germinam no chão".

Esse espécie de males decorre de todos os vícios: da gula, da incontinência diante da bebida e do amor físico, coisas que não podem ser gozadas senão com regularidade e sem excessos. Outros males decorrem da pobreza imposta pela justiça, com o consumo insuficiente de alimentos ou de alimento maus, provocando as enfermidades do corpo que, muitas vezes, provocam também a enfermidade da alma. Pois as enfermidades da alma estão intimamente relacionadas com as enfermidades do corpo.

Além disso, a alma se acostuma com as coisas não necessárias e se familiariza com seu consumo, de modo que se escraviza ao hábito de desejar o que não é necessário nem para a conservação do indivíduo nem para a conservação da espécie. E isto é tanto mais grave, pois das coisas necessárias, a gente se sacia. Mas o desejo de coisas supérfluas não tem limite.

A pessoa começa desejando tê-los de outro. Uns começam pelo cristal, e acabam cobiçando as coisas de esmeralda e de rubi.

Dessa forma, todo indivíduo ignorante e tolo está constantemente aflito e triste porque não pode entregar-se ao luxo de que desfruta algum conhecimento seu. E se expõe a grandes perigos, até a serviço dos reis que buscam luxos inúteis. E em vem de queixar-se de si próprio, queixa-se de Deus ou da fortuna, que não lhe deram riquezas, bebidas abundantes e concubinas vestidas de ouro e pedras preciosas.

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Maimônides - Mose Bar Maimon - é o mais importante dos filósofos judeus da Idade Média. Espanhol como Avicebron, nasceu em Córdoba em 1.135 e morreu no Cairo em 1204. Durante a perseguição moura na Espanha, errou durante doze anos pelo país, entre os 13 e os 25 anos de idade, para não converter-se ao Islão. Exerceu a medicina no Cairo e frequentemente lutou com dificuldades econômicas. Sua obra filosófica mais importante se intitula "More Newuchin", em latim "Dux Perplexorum", isto é "Guia dos Perplexos", do qual é o texto que hoje publicamos, vertido diretamente do latim por Gerardo Mello Mourão..