1. Antecedentes históricos
O elemento comum que entrelaça os movimentos sociais com a educação é a cidadania. Entretanto, este termo possui diversas abordagens tanto do ponto de vista teórico-metodológico quanto do processo de mudança e transformação da sociedade.
No liberalismo, a questão da cidadania está ligada à noção de direitos. Trata-se dos direitos naturais e imprescritíveis do homem (liberdade, igualdade perante a lei e direito à propriedade), e dos direitos da nação (soberania nacional e separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário).
De acordo com esta ideologia o homem era suficientemente esclarecido para escolher seus representantes, com conhecimento de causa, independente das pressões e era ainda, acima de tudo, um proprietário (de terras e imóveis). Além disso, estabelecia que somente os proprietários (burgueses) tinham direito à plena liberdade e à plena cidadania.
De acordo com Locke, teórico liberal, há uma diferenciação de direitos entre a classe trabalhadora e a burguesia, pois a primeira, acostumada com o arado e a enxada era incapaz de ter idéias sublimes. Portanto, a educação para a cidadania era irrelevante para a classe trabalhadora, uma vez que ela não tinha qualidades para ser cidadã.
A igualdade natural, inata entre os homens, seria desfeita no plano da sociedade real, pela desigualdade entre cidadão-proprietário e o não-cidadão e não-proprietário. Enfim, as diferenças sociais eram vistas como diferenças de capacidade.
À medida que o capitalismo se consolida as lutas sociais vão deixando de ser apenas pela subsistência e surgem concepções alternativas dos direitos. A educação volta a ser pensada pelas classes dirigentes como mecanismo de controle social e os teóricos da economia política passam a recomendá-la para evitar desordens.
Adam Smith justifica, assim, a necessidade da educação em função da divisão do trabalho. Seria competência do Estado facilitar, encorajar e até mesmo impor a toda população o aprendizado mínimo às necessidades de capital.
O pressuposto básico era de que o povo instruído seria ordeiro, obediente a seus superiores e não presa de crendices e superstições religiosas e místicas.
O essencial não era instruir, racionalizar o indivíduo, mas racionalizar a vida econômica, a produção, ou seja, a única educação que interessava era a formava consumidores e produzia mercadoria para o trabalho.
A cidadania do séc. XIX, ao contrário dos séculos anteriores, dirige-se a todos, incluindo as massas, entretanto a sua finalidade precípua era discipliná-las e domesticá-las, ou seja, busca-se, através da educação, que os membros do tecido social participem do convívio coletivo de forma harmoniosa.
Os direitos sociais não são conquistados, mas sim outorgados pelo Estado.
Neste processo, onde a educação tem destaque, a prática pedagógica enfatiza as estratégias de persuasão, esclarecimento e moralização de cada futuro cidadão.
Ao lado da cidadania regulamentada pelo Estado, desenvolveu-se, ainda, o neoliberalismo comunitarista, onde a abordagem do cidadão é vista como retorno à idéia de comunidade em contraposição à sociedade urbano-industrial burocratizada.
A noção de educação, nesta ideologia, é bastante conservadora: educa-se para a cooperação geral. A escola tem um papel fundamental neste processo, onde as condições concretas vivenciadas não são as fontes multiplicadoras do aprendizado, mas sim uma visão romântica, idílica, estigmatizada, da vida no campo, das relações diretas, primárias, da pequena comunidade. O livro didático é o representante máximo deste processo.
Entretanto, existe uma terceira definição do conceito de cidadania, elaborada a partir de grupos organizados da sociedade civil, através de movimentos. Trata-se da cidadania coletiva.
A educação ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si próprio, um movimento educativo.
Nesta teoria a cidadania não se constrói por decretos ou intervenções externas, programas ou agentes pré-configurados. Ela se constrói como um processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto do acúmulo das experiências engendradas. A cidadania coletiva é constituidora de novos sujeitos históricos: as massas urbanas espoliadas e as camadas médias expropriadas.