O filósofo Tim Maia já dizia que o Brasil é o único país do mundo em que traficante se vicia, cafetão se apaixona e prostituta tem orgasmo. Aqui, por falta de profissionalismo, as pessoas estabelecem vínculos onde jamais deveriam. Agora, já é possível acrescentar um quarto componente no axioma de Tim Maia. No Brasil, há lobistas que exigem carteira assinada de trabalho mesmo quando realizam os trabalhos mais sujos e heterodoxos. E, graças a isso, hoje é possível fazer a anatomia de um "escândalo", que quase redundou numa CPI, apoiada pelo PT e por vários partidos de esquerda, contra o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
A história gira em torno das merendas escolares, que movimentam R$ 2 bilhões por ano no Brasil. Antes de Kassab, a Prefeitura de São Paulo seguia um modelo conhecido como autogestão, comprando todos os ingredientes, como arroz, feijão, leite, biscoitos, carne e salsichas. Planejando reduzir custos, Kassab decidiu terceirizar o serviço e os fornecedores contratados passaram a entregar refeições - e não mais itens isolados. Foi então que dez empresas - entre elas nomes conhecidos como Sadia e Mabel - se uniram e formaram um consórcio para bombardear o novo sistema. Mas em vez de agir publicamente, mostrando a cara, contrataram um atirador profissional. Seu nome: Sidney Melchiades de Queiroz.
Advogado, Sidney entrou com dezenas de ações populares não só na capital paulista, mas em todo o País, contra o sistema de terceirização, dizendo agir em nome do interesse público. A tal ponto que ficou conhecido como "Dr. Merenda". Não satisfeito, serviu de fonte para várias reportagens que visavam escandalizar o tema. Além disso, tentou manipular o Ministério Público de São Paulo, que entrou fundo nessa guerra comercial.
Seria apenas mais um escândalo fabricado em laboratório, se o lobista Melchiades não decidisse tomar uma medida tão fora de padrão no seu meio. Dias atrás, ele entrou com uma ação trabalhista contra as dez empresas que o bancaram ao longo de dois anos, exigindo férias, décimo terceiro e FGTS. Juntou recibos e até os e-mails trocados pelos membros do consórcio, tratando da tentativa de manipulação de procuradores graduados do MP paulista.
O que essa inacreditável história ensina é bastante simples. Se o escritor Nelson Rodrigues já dizia desconfiar de todo moralista, a partir de agora será também preciso duvidar de todo ativista profissional. Por trás de uma ação popular ou de um escândalo, quase sempre há um patrocinador privado sem coragem de mostrar a própria face.