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08/05/2009

História da Matemática - Descartes
Biblioteca Científica Life - As Matemáticas - 1970
Em 1616 um jovem aristocrata francês, René Descartes, formou-se em Direito na Universidade de Poitiers e se lançou à reconstrução do mundo. Estava profundamente insatisfeito com o que aprendera sobre esse mundo, com os acadêmicos professores da universidade, cujo pensamento ainda se ligava à Antiguidade.

Descartes desdenhava a Filosofia antiga como inadequada. "Verifiquei — recorda êle depois — que vinha sendo cultivada, através dos tempos, pelos homens mais qualificados e que, contudo, nenhum de seus pontos se tornara isento de controvérsias."

Descartes confiava em colocar paradeiro nessa confusão. Embora tal ambição não seja rara em um jovem de 20 anos, em seu caso teria desfecho muito pouco comum. Estava destinado a fazer tudo com que sonhara, reformulando o pensamento humano como apenas uns poucos homens o fizeram ao longo da história da civilização.

Mais raro ainda, faria sua revolução com filosofia inédita, tirada da Matemática. E, ao fazê-lo, ainda desenvolveria novo ramo da Matemática: a Geometria Analítica, que fundiu, numa única técnica, toda a Aritmética, Álgebra e Geometria dos tempos antigos; consistia essa técnica em visualizar os números como pontos de um gráfico, as equações como formas geométricas, e as formas como equações.

Unificando as Matemáticas elementares, a Geometria Analítica foi o alicerce sobre o qual se construíram a maior parte das altas matemáticas modernas e muitas das ciências exatas.

O mundo no qual Descartes se lançou no inverno de 1616 estava cheio de idéias novas e façanhas audaciosas: os protestantes, proclamando seus rígidos padrões de consciência individual; os cavaleiros, defendendo seu abespinhado orgulho com hábeis espadas; nações rivais disputando impérios ultramarinos; mercadores de peles holandeses comerciando em Manhattan; colonos ingleses lutando pela sobrevivência em Jamestown. Os freqüentadores de teatro em Londres choravam a recente morte de Shakespeare.

Monteverdi compunha as primeiras grandes óperas. William Harvey mal iniciara sua série de ensinamentos, nos quais apresentava o coração não como a sede dos sentimentos, mas como umá bomba de sangue. Kepler preparava-se para publicar a terceira e última de suas leis, descrevendo exatamente o movimento dos planetas em redor do Sol.

A idéia de que o Sol era o centro de nosso sistema planetário — proposta pelo astrônomo polonês Copérnico — acabava de ser declarada herética pelo Santo Ofício em Roma; Galileu, cada vez mais entusiasmado com seu novo telescópio, fora alertado para desistir do apoio que emprestara a tal teoria.

Embalado por essa onda criadora, o jovem Descartes convenceu-se de que o mundo necessitava uma fórmula para disciplinar o pensamento racional e unificar o conhecimento. Volvendo as costas para a Filosofia do passado, tentou encontrar essa fórmula no "conhecimento de mim mesmo" e no "grande livro do mundo".

Depois de rápido mergulho nos prazeres de Paris, tornou-se gentil-homem soldado, primeiramente do príncipe holandês de Nassau e depois do duque alemão da Bavária. A maior parte do tempo em que serviu como soldado, passou-a, conforme sua própria descrição, "afundado até às orelhas no estudo da Matemática", ramo do saber humano que "deliciava. . . por causa da certeza de suas demonstrações e da clareza de seus raciocínios".

Ao fim de dois anos, com 22 anos de idade, começou a desenvolver sua "geometria analítica". Ao cabo de outro ano havia também elaborado seu "método de raciocinar corretamente", que o tornaria famoso como filósofo.

Uma sessão na fornalha

Esse "método", embora estivesse germinando por longo tempo, aflorou ao seu consciente durante um único dia de revelação, num acampamento do exército às margens do Danúbio. Era um dia frio, que Descartes passou em meditação numa pequena sala aquecida, à qual por vezes era dado o nome de "fornalha".

O que formulou nessa fornalha, e subseqüentemente elaborou mais longamente, foi a doutrina de que todo conhecimento — passado e futuro — deve ser calcado em termos de raciocínio matemático. Propôs Descartes que os sábios de seus dias deixassem de apoiar-se tão fortemente em idéias antigas, para recomeçar em bases novas. Concitou-os a tentar explicar a natureza por um esquema dedutivo científico.

Tal processo, julgava êle, devia começar com as verdades axiomáticas mais simples e prosseguir — com módico auxílio da experiência — para entendimentos mais complexos. "A longa cadeia de raciocínio simples e fácil pela qual os geómetras estão habituados a alcançar as conclusões de suas demonstrações mais difíceis — escreveu Descartes — levou-me a imaginar que todas as coisas que estão ao alcance do conhecimento humano são ligadas mutuamente da mesma forma."

Essa visão de Descartes tem inspirado o homem desde então e, na realidade, continua a ser a ambição da ciência moderna. Êle próprio, contudo, teve enorme dificuldade em estabelecer os axiomas básicos a partir dos quais seria construída sua genial elucubração. Quanto mais buscava verdades fundamentais, menos as identificava.

No final das contas, não ficou com nenhuma, com exceção da simples assertiva, Cogito, ergo sum — "Penso, logo existo" — pela qual afirmava não haver melhor base para compreender o mundo real de mesas e cadeiras do que a habilidade humana de usar a própria mente.

Somente 18 anos após sua revelação na fornalha é que Descartes compartilhou sua filosofia com o. público. Nesse ínterim, fêz uma tentativa de escrever um livro, mas desistiu, em deferência à sua fé católica, porque aceitava as idéias heréticas de Copérnico sobre o universo. Finalmente, a reiteradas instâncias de amigos, publicou em 1637 o seu Discurso do Método Para Bem Conduzir a Razão. Ainda considerado uma das grandes obras da filosofia, esse livro imediatamente o identificou como um dos grandes pensadores de seu tempo.

Descartes concluía o Método com três exemplos concretos de como podia ser aplicado. Os dois primeiros procuravam explicar o comportamento de lentes e estrelas cadentes. O terceiro era uma nota de 106 páginas, A Geometria, que os matemáticos ainda recordam afetuosamente pelo título francês original, La Géométrie. Esse alentado apêndice, que esboçava a Geometria Analítica, constituiu, segundo palavras do filósofo britânico do século XIX, John Stuart Mill, "o maior avanço individual jamais feito no progresso das ciências exatas".

É estranho que Descartes houvesse deixado essa jóia esquecida no final de seu livro. Nos três séculos que se seguiram, a Geometria Analítica superou a filosofia na criação da ciência com que sonhava êle. No entanto, nunca a explorou além desse resumo original.

La Géométrie apresentou a idéia de que um par de números pode determinar uma posição sobre uma superfície: um dos números como distância medida horizontalmente, o outro como distância medida verticalmente. Essa idéia, naturalmente, tornou-se depois muito familiar a quem quer que usasse papel para gráficos, estudasse um mapa de ruas ou examinasse linhas de latitude e longitude num atlas.

O papel milimetrado ou quadriculado para gráficos ainda não fora inventado no tempo de Descartes, mas o próprio conceito de gráfico, com linhas cruzadas como referência, estava contido em seu trabalho. Descartes mostrou que era possível construir, usando como guia um par de linhas que se interceptassem, um conjunto completo de linhas de referência, no qual os números podiam ser representados como pontos; que, se uma equação algébrica fosse representada como uma seqüência de pontos, apareceria como figura geométrica; e que, por seu turno, as figuras geométricas podiam ser traduzidas por seqüências de números, representadas como equações.

Em homenagem a Descartes, chamamos sistema de "coordenadas cartesianas" as linhas originais que se interceptam, sendo a linha vertical conhecida como eixo dos y e a linha horizontal como eixo dos x. A página ao lado mostra como funciona o gráfico cartesiano, usando um mapa de ruas como exemplo.

Com o conceito de coordenadas, com o qual lançou sua Geometria Analítica, Descartes deu a todos os matemáticos de então e da posteridade um meio novo e estimulante de encarar as informações matemáticas. Mostrou, por exemplo, que todas as equações quadráticas ou do segundo grau, quando traçadas como pontos ligados uns aos outros, se tornam linhas retas, círculos, elipses, parábolas ou hipérboles — as seções cónicas, nas quais Apolônio depositara tanto engenho 1.900 anos antes.

A equação x2 — y2 = 0, traçada no gráfico, se transforma em duas retas cruzadas; a equação x2 + y2 = 4 se torna um círculo; x2 — y2 = 4, uma hipérbole; x2 + 2y2 = 4, uma elipse e x2 = 4y; uma parábola (ilustrada, à direita). Descartes prosseguiu, ainda, mostrando que a equação geral representativa de todas as quadráticas, ax2 + bxy + cy2 = d, inevitavelmente se torna uma curva cónica, quando traçada no gráfico.

Avançando além da quadrática para as cúbicas, as quárticas e até equações de graus mais elevados, Descartes demonstrou que cada classe de equações revela novo conjunto de curvas — corações, colinas, pétalas, espiras, figuras de algarismo oito.

O grau da equação determina o número máximo de pontos de interseção que a curva dessa equação pode ter com uma linha reta. Uma curva do primeiro grau — isto é, a linha reta — pode interceptar outra reta em apenas um ponto. A curva cónica do segundo grau é cortada em dois pontos por uma linha reta. As curvas cúbicas, que a linha reta pode cortar em três pontos, geralmente têm forma de S.

As curvas do quarto grau, com quatro pontos de interseção possíveis, podem ter a forma de W ou do algarismo oito. Pode-se notar, de passagem, que a ampulheta, com sua figura feminina, pode ser traduzida algebricamente pela equação quártica específica (x2 + y2 + a2)2 — 4a2 y2 = c4.
As curvas que representam equações de qualquer grau têm várias características comuns — tantas, na realidade, que cada uma delas representa a sua classe e o matemático pode dizer a seu colega que tal curva é do "quinto grau" ou do "sétimo grau", evocando com isso um conjunto inteiro de peculiaridades geométricas inerentes a todos os membros da classe curvilínea em apreço.

Graças à Geometria Analítica, toda equação pode ser convertida em figura geométrica e toda figura geométrica em equação. Algumas figuras só podem ser representadas por equações infinitamente longas e algumas equações representam figuras difíceis de visualizar — cheias de ondulações. Mas cada figura tem o seu equivalente na forma algébrica.

Abrangendo todos os conhecimentos de Matemática do passado, a Geometria Analítica cresceu muito além da breve apresentação original de Descartes e transformou tudo da Matemática em que tocou. Alguns ramos do pensamento matemático que pareciam secundários foram incorporados à corrente principal. Um deles foi a antiga técnica da Trigonometria; o outro foi o astucioso dispositivo dos logaritmos.