Portanto, a formatação implica na substituição completa do conteúdo da consciência. Essa substituição ocasiona uma modificação total nas ordens emitidas, pois a base cognitiva foi modificada, assim como as informações, os saberes e os conhecimentos utilizados para as análises.
É exatamente isso que acontece nos sistemas totalitários. A consciência das pessoas que integram esse tipo de sistema é formatada e preparada para receber uma nova base cognitiva, novas informações, saberes e conhecimentos. A formatação das consciências é implantada em toda a sociedade, uniformizando, dessa forma, o agir das massas.
Logo, no contexto totalitário o conteúdo das consciências dos indivíduos não é natural, mas sim implantado pelo sistema vigente. Por isso, não há liberdade nesses sistemas, pois não há espaço para desenvolvimento e expressão da consciência individual. A ação dos indivíduos tem origem nas ordens emitidas pela consciência do sistema… O indivíduo não age de acordo com a sua própria vontade, pois ele não tem vontade em um sistema totalitário… A vontade que o indivíduo expressa é a vontade do sistema totalitário. O indivíduo não agiu de acordo com a sua própria consciência, mas foi levado a agir de acordo com a consciência do sistema.
Além disso, é válido dizer que a única forma de se inibir completamente a liberdade de um indivíduo é formatando a sua consciência e instalando, no lugar do conteúdo original, um conteúdo preparado para emitir ordens previamente estabelecidas. Não basta apenas criar normas que inibam ou impeçam a consciência de se manifestar, pois a consciência pode, perfeitamente, contrariar a norma ou ignorá-la, ou seja, as normas não retiram a liberdade do indivíduo, pois não podem e não conseguem formatar a consciência. As normas simplesmente reorientam ou condicionam a consciência do indivíduo exteriormente, limitando a liberdade.
Formatar a consciência do indivíduo significa apagar o conteúdo original e instalar no lugar dele um conteúdo artificial, um conteúdo capaz de tornar a pessoa um robô que apenas segue ordens, um robô obediente.
Contaminar o funcionamento natural da consciência, formatando a base de análise significa fazer uma espécie de lavagem cerebral que modifica o banco de dados analítico da consciência. O banco de dados formado com informações, saberes, conhecimentos, costumes, valores, etc, que o indivíduo captou ao longo da vida naturalmente é substituído por um banco de dados artificial, introjetado pelo sistema, dentro da consciência da pessoa.
Assim, a consciência, ao invés de analisar o banco de dados natural, analisa o banco de dados artificial. E é em cima deste último banco de dados que a consciência passa a operar, emitindo sentenças (vontade). Logo, a liberdade oriunda desta vontade não é natural, mas sim artificial, pois é viciada e contaminada, segue a consciência do sistema, não é a liberdade do indivíduo, mas sim a liberdade do sistema.
Inegavelmente, o conteúdo de uma consciência totalitária transforma a pessoa em um servo do sistema, em um indivíduo cego e obediente, um indivíduo que segue, a risca, as ordens dadas pelos operadores da máquina totalitária.
E é justamente nesse ponto que entra a novidade totalitária. O totalitarismo faz uma coisa que nenhum outro sistema tinha conseguido fazer antes. E que coisa é essa? O totalitarismo formatou a consciência dos indivíduos. Logo, retirou completamente a liberdade dos Seres Humanos que pertenciam àquele sistema. Todos os movimentos anteriores atingiam o indivíduo criando regras e normas que condicionavam as consciências e limitavam a liberdade, mas nenhum sistema jamais havia formatado a consciência das pessoas. Modificando, profundamente, o conteúdo da consciência, o totalitarismo retirou completamente a liberdade dos indivíduos.
Mas o totalitarismo foi além, muito além, disso, pois ele não só formatou a consciência, apagando, ou escondendo, o conteúdo original das consciências individuais, mas o substituiu por um conteúdo preparado pelo sistema, um conteúdo que formava a consciência do sistema totalitário.
Assim, as pessoas perderam a sua consciência individual, logo, perderam a sua liberdade individual; e receberam, em troca, a consciência do sistema, logo, passaram a ter a liberdade do sistema (poder de agir de acordo com a consciência do sistema). A consciência do sistema gera a liberdade do sistema.
Mas, como se dá a formatação da consciência nos sistemas totalitários? Em termos excessivamente genéricos, há uma espécie de lavagem cerebral em massa. Formata-se a consciência do indivíduo, contradizendo e confrontando com mentiras as informações, saberes e conhecimentos que ele possui… Em seguida, promove-se a perda da sua identidade e individualidade, imergindo-o em uma multidão de iguais.
Por isso, em um sistema totalitário a mídia, a propaganda e o terror são tão importantes. Por isso, o vazio de pensamento, a mediocridade e a indiferença são essenciais para o sucesso inicial do sistema. São características comuns no homem da massa, características que facilitam e garantem o sucesso de formatação e substituição do conteúdo das consciências individuais.
Pessoas com essas características têm o conteúdo de suas consciências facilmente formatados/modificados/substituídos. São pessoas dóceis, facilmente controladas e dominadas. Pessoas que não percebem que seus pensamentos são pensamentos do sistema, que suas idéias e ideais são idéias e ideais do sistema, que suas ações são ações do sistema. A consciência que possuem é a consciência do sistema. Pensam igual o sistema. Falam igual o sistema. Agem igual o sistema. Fazem o que o sistema faz.
A formatação da consciência, assim como a substituição do conteúdo desse sistema é facilitada pelas características da massa. De acordo com Hannah Arendt:
Percebemos, portanto, que o homem da massa é um homem que não desenvolveu a sua consciência política e pouco exercita a sua consciência social, que também é atrofiada. Logo, não tem um pensamento crítico evidente e pode ser facilmente controlado, seguindo a voz de quem grita mais alto. Este homem, que integra a massa de iguais, é o modelo ideal para a ação da mão invisível do totalitarismo, para formatação da consciência individual e instalação da consciência totalitária.
O totalitarismo é um sistema que não admite questionamentos. Quaisquer questionamentos põem o sistema em risco, podendo romper a estrutura e mostrar as reais intenções e os objetivos da coisa. O todo é visto apenas por quem estrutura e controla o sistema. E o homem da massa não questiona nada, apenas executa as ordens. Logo, é o homem ideal para assumir a função de agente totalitário. É o indivíduo totalitário natural, precisando apenas de treinamento básico para o posto futuro.
O método totalitário de formatação da consciência dos indivíduos acompanhado pela instalação da consciência do sistema totalitário em cada pessoa, nas palavras de Hannah Arendt, é a produção/construção de uma massa atomizada e amorfa. A mão invisível do totalitarismo ataca toda a sociedade de uma só vez.
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Portanto, essa atomização das massas, citada por Hannah Arendt, é um método eficiente para formatação da consciência individual das pessoas. Este método elimina a consciência individual através da eliminação das partes, das outras consciências que compõem a consciência individual. Primeiro, ataca a consciência política, em seguida a consciência social. Logo após a consciência coletiva e, por último, assimila a consciência individual como um todo. Tornando o indivíduo um membro do sistema. Mais uma pessoa que roda, e sua consciência, o sistema operacional totalitário, um sistema operacional com conteúdo totalitário.
Ao mesmo tempo em que destrói a individualidade da pessoa, a consciência individual, o totalitarismo insere a consciência do sistema totalitário no indivíduo. Na descrição, isto aparece no fato dos velhos amigos serem transformados em delatores ou nos mais implacáveis inimigos. Transformados em zumbis que protegem o sistema totalitário, detectando e denunciando a existência de pessoas que ainda não foram assimiladas pelo sistema, ou seja, de pessoas que ainda possuem intactas a consciência individual natural. Logo, pessoas que podem questionar e destruir o sistema por dentro, exercendo a liberdade natural, oriunda da consciência individual natural.
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