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07/10/2008

POR UMA OUTRA VISÃO DO TERRORISMO
Thiago Lourenço Carvalho --Abin
Publicações da Abin

Em 1948, George Orwell preconizou como em “1984” o Estado utilizaria o medo para manter a população sob estrito controle.

Longe de vivermos em Estado totalitário como aquele, observa-se hoje algo parecido no cenário internacional: o espectro do terrorismo a rondar a segurança das nações. A constante ameaça do terrorismo “justifica” ações estatais como a supressão de liberdades individuais, intervenções militares preventivas em países soberanos, maiores investimentos em segurança e, sobretudo, o recrudescimento da dominação exercida pelas potências hegemônicas. O terrorismo não é, contudo, um fenômeno fora de controle, a simples execução de atos impensados, mas um método por meio do qual determinados grupos procuram atingir objetivos específicos.

Análises mais aprofundadas das organizações extremistas islâmicas existentes expõem a fragilidade do discurso que rotula terroristas de loucos movidos pelo ódio, interessados em atingir qualquer país ocidental, indiscriminadamente.

Antes de adentrar o assunto, convém saber o que é terrorismo. Por ser bastante controverso, ainda não há consenso internacional sobre o tema. O Congresso Nacional, por meio do Projeto de Lei nº 6.764, de 9 de maio de 2002, ainda estuda uma definiçãode terrorismo para o Brasil. Entre as definições constantes do projeto, a primeira serve de exemplo de como o terrorismo pode vir a ser classificado no País:

"[...] todo ato com motivação política ou religiosa, que emprega força ou violência física ou psicológica, para infundir terror, intimidando ou coagindo as instituições nacionais, a população ou um segmento da sociedade."

Esta definição genérica traz em si os questionamentos fundamentais acerca do terrorismo: que interesses os grupos extremistas têm em infundir terror, causar medo e, desta forma, coagir a população ou instituições nacionais? Coagir para quê? Que objetivos se pretende atingir ao praticar atos violentos? As respostas podem ser obtidas por meio da análise do contexto regional em que os grupos se inserem e por meio do discurso aberto dos grupos que assumem a autoria de atentados.

O brado dos líderes extremistas, bem como as declarações de guerra, devem, porém, ser analisados com ceticismo. Tome-se como exemplo o Império Britânico do século XIX, que, ao invadir terras alheias e instalar entrepostos comerciais na África e na Ásia, justificava-se sob a égide de levar a “civilização” aos povos subdesenvolvidos. No entanto, o real objetivo era, além das conquistas territoriais, consolidar a dominação econômica por meio do estabelecimento de um mercado consumidor para a produção industrial britânica.

Do mesmo modo, a “guerra ao terror”, liderada pelos Estados Unidos da América (EUA), aliada à doutrina de ações preventivas, visa a evitar a ocorrência de novos atentados e, eventualmente, a implantar a “democracia” e a “liberdade”, como no caso das invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003). Especulase, contudo, a existência de outros motivos para as referidas intervenções, como a exploração do petróleo da região; a injeção de vultosos recursos no complexo industrial bélico estadunidense, de modo a manter o conflito em andamento e a geopolítica de manutenção da hegemonia dos EUA no Oriente Médio.

Da mesma forma, o discurso divulgado de líderes de organizações extremistas talvez não seja a representação exata dos reais desígnios do grupo. O senso comum, amplamente difundido pela mídia e não raro reproduzido por órgãos governamentais, é o de que, no caso dos chamados extremistas islâmicos, a motivação para atentados advém da religião, do ódio inflamado a todos que não professam o islamismo. A este conflito chamam guerra santa ou, se aplicado o pensamento de Samuel Huntington, o “Choque das Civilizações”. Porém, ao se analisar com mais cuidado os grupos denominados terroristas e se estudar o contexto regional e internacional no qual estão inseridos, os motivos religiosos dos atentados diluem-se em meio a claras razões históricas, políticas, econômicas e territoriais.

Dois exemplos emblemáticos ilustram outros motivos plausíveis pelos quais organizações radicais lutam. O grupo extremista Abu Sayyaf, das Filipinas, composto por muçulmanos, reivindica a criação de um Estado islâmico independente na ilha de Mindanao, ao sul do país. Para atingir este objetivo, o grupo pressiona as autoridades cometendo atentados contra a população desde 1995.

Mas, se Mindanao já goza de relativa liberdade de aplicar a lei islâmica, por que criar um Estado independente? O fato desconhecido da maioria é que Mindanao possui recursos naturais abundantes, como ouro, urânio, petróleo e agricultura pujante, de modo que esta ilha responde por 65% de toda a produção das Filipinas.

Neste caso, fica evidente que o grupo deseja apoderar-se das riquezas da região. Diante da importância econômica da ilha, o governo filipino reluta em ceder ao pleito separatista do grupo. O segundo exemplo diz respeito aos conflitos na Chechênia/Rússia. O governo de Moscou tomou parte na guerra ao terror empreendida pelos EUA e afirma estar lutando contra terroristas radicais islâmicos na região. Os rebeldes chechênios, embora muçulmanos, jamais mencionaram a religião islâmica no rol de objetivos almejados pelo grupo.

Aliás, o líder rebelde Movsar Brayev, quando do atentado ao teatro em Moscou, em 2002, foi explícito na mídia quanto ao que pretendia com aquele ato: a retirada das tropas federais russas da Chechênia e a independência dessa pequena República. Mais uma vez, escapa ao público em geral outros aspectos referentes à importância econômica da Chechênia, cujo território abriga refinarias de petróleo e oleodutos que abastecem os países do Leste europeu. Tanto o governo russo como os rebeldes sabem que controlar a Chechênia implica ter poder sobre o potencial econômico da região. Portanto, rotular os separatistas de simples extremistas religiosos significa fechar os olhos para as reais questões econômicas inerentes ao conflito. Diante de tantas razões mais evidentes, por que atribuir à religião muçulmana toda a culpa pela ocorrência de atentados?

São vários os motivos que levam “terroristas” a perpetrarem atos extremistas: resistência à ocupação estrangeira; resposta à política externa de outros países, como os EUA e Israel; separatismo, ou seja, por poder e território; dinheiro, exploração de riquezas naturais, a exemplo da Chechênia e de Mindanao; entre outros. Oargumento ora proposto é o de que o “terrorismo” é antes de tudo um método utilizado para alcançar algo maior. O terror não representa um fim em si, não há o “terrorismo puro”. O que há, de fato, são grupos dispostos a utilizar-se deste expediente para conseguir o que querem. O fato de boa parte das organizações extremistas possuírem em seus quadros pessoas que professam o islamismo não significa que é a religião que os instiga à violência.

De fato, líderes de determinados grupos podem utilizar-se de interpretações deturpadas do Alcorão para levar indivíduos a cometer atos extremos. Conceitos e princípios podem ser distorcidos, como é o exemplo da palavra Jihad, que muitos traduzem como “guerra santa” mas que também pode ser entendida como o esforço para divulgar o Islã. Também a religião muçulmana pode servir como fator de união, de identificação entre os participantes do grupo. Todavia, o livro sagrado dos muçulmanos prega o bem, a caridade e a devoção a Deus, assim como outras religiões o fazem. Mesmo o profeta Mohamed reconhece Jesus como um dos mensageiros de Deus. Não há nada de errado com a religião, mas sim com o mal uso que se faz dela.

De qualquer maneira, o terrorismo representa risco para as nações e deve ser evitado. Certos grupos podem atuar além das fronteiras nacionais, como o fez a Al-Qaeda, em 11 de setembro de 2001, ao derrubar as torres do World Trade Center, em Nova Iorque. Órgãos de Inteligência devem, portanto, pesquisar as causas profundas do terrorismo, estudar e conhecer cada organização extremista em sua especificidade, de modo a levar às autoridades conhecimentos precisos e úteis à tomada de decisão. A simples reprodução do discurso da mídia, por vezes interessada tão somente em “vender” notícia, empobrece o verdadeiro trabalho de Inteligência e não se sustenta frente a ameaças concretas, não oferecendo resposta satisfatória ao desafio do ilícito terrorista. Assumir posição “islamofóbica” pode nublar a vista do profissional de Inteligência e conduzir à interpretação errônea dos fatos.

Saliente-se que os líderes das organizações radicais mais conhecidas são, em geral, inteligentes, bem-informados e determinados a cumprir planos meticulosamente arquitetados. Os executores de atentados suicidas são, via de regra, homens de muita fé, convencidos de que estão fazendo a coisa certa. Além disso, a comunidade muçulmana brasileira, historicamente pacífica e há décadas integrada à sociedade do País, pode vir a adquirir antipatia pelo governo caso as políticas de combate ao terrorismo se orientem pelo preconceito religioso.

Nos foros internacionais, a posição do Brasil tem sido clara quanto ao repúdio ao terrorismo, sem, no entanto, hostilizar nenhum grupo étnico ou religioso. No que tange à Inteligência, a prevenção ao terrorismo deve procurar antecipar suas ações e o combate a este fenômeno e deve pautar-se pela produção de conhecimentos precisos, sem preconceito ou distorções ideológicas. A guerra ao terror é assimétrica por natureza. Vencê-la por meio de políticas de Estado significa atacar o terrorismo em suas raízes profundas e não nos ramos mais superficiais.

Referências

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 6.764, de 9 de maio de
2002. Acrescenta o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito,
à parte especial do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá
outras providências. Disponível em: .