Democratizar o conhecimento e socializar os saberes como ferramenta para transformação social e econômica. Democratizar e socializar para reduzir as desigualdades regionais. Democratizar e socializar para dar oportunidades. Democratizar e socializar para dar esperanças e certezas de um futuro melhor. O poder transformador do conhecimento, monopolizado e retido nas melhores Universidades Públicas, tem que ser disseminado, gratuitamente, para toda a sociedade.

22/05/2006

PCC cobre mapa de SP

Braços da facção alcançam quase todo o Estado

MARINÊS CAMPOS - Jornal da Tarde - 22 maio de 2006

Eles estão em toda parte. No tráfico, nos roubos, no serviço de lotação. E quem mora nos bairros mais pobres conhece o poder que têm nas mãos. Os homens do PCC , facção que faz com que seus braços alcancem quase toda a Cidade, se impõem pelo medo, exibido com demonstrações de força, palavra trocada nas favelas pelo substantivo “respeito”. Donos da maioria dos pontos de tráfico, também são eles que têm interferido nas matanças. “Caiu o número de mortes porque, quando alguém quer se livrar de um inimigo, primeiro pede ordem ao chefão”, conta um ex-presidiário da Cidade Tiradentes, Zona Leste, há pouco tempo em liberdade. “Ladrão também não põe a cara para bater. Pensa duas vezes. Quem não pensa e morre são os ‘nóias’.”

Mas o temor de conviver com esses homens vez ou outra precisa ser vencido por líderes comunitários. São esses presidentes de associações de moradores que fazem a ligação entre poder público e bandidos quando precisam de serviços nas favelas.

No dia em que a então prefeita Marta Suplicy inaugurou o CEU São Rafael, em São Mateus, Zona Leste - uma das áreas de atuação do PCC -, por exemplo, ela não imaginava que, antes dos operários, quem teve muito trabalho foram os líderes comunitários. Era março de 2004 e, durante semanas, eles se empenharam em negociações com os traficantes que dominavam o terreno onde o Centro Educacional Unificado seria construído. Imploraram aos bandidos que saíssem da área e aceitassem a melhoria no bairro. “Quando precisamos de uma benfeitoria, negociamos com o tráfico. A Prefeitura não se mete com os bandidos”, diz o presidente de uma entidade.

Mas os bandidos têm se metido com a Prefeitura. Bem vestidos e com jeito bem comportado, ladrões e traficantes da Cidade têm freqüentado subprefeituras, Câmara e concessionárias de água e energia. Sem despertar suspeitas, muitos acompanham integrantes de associações de moradores de favelas em busca de serviços públicos.

A estratégia para inverter a mão de direção da intimidação e conseguir a colaboração dos inimigos partiu de um líder comunitário de um bairro carente da Zona Norte. Cansado de se submeter ao poder do crime, apelou para a política da boa vizinhança. Das 250 favelas da região, ele calcula que 90% são reféns do PCC.

O desafio é o de vencer a resistência dos criminosos para a chegada de melhorias - o mesmo asfalto que permite a entrada de ambulâncias e dos bombeiros também abre caminho para a polícia. A luz que ilumina os becos coloca à mostra os pontos de drogas e intimida os compradores. Nos cantos pobres da Cidade, nem sempre os serviços públicos são bem-vindos e comemorados por todos - nesses lugares, esses benefícios contrariam o interesse de um pequeno grupo.

Por isso, o líder da Zona Norte, em vez de se deixar vencer pelo medo, optou pela aproximação: “Quando formamos uma associação, a maioria é escolhida por ser do tráfico. Digo a eles: ‘Vocês são respeitados’. A gente levanta a auto-estima deles. E eles até vão com a gente na Prefeitura.”

Mas não é fácil abrir os olhos dos bandidos para a necessidade do asfalto, da coleta do lixo, da água e da luz. “A gente fala sobre incêndios, leva bombeiros nas favelas para mostrar o perigo de vielas estreitas e fala que a família deles também corre risco”, conta um líder da Zona Sul.

Experiência semelhante tem acontecido em várias comunidades pobres da Cidade. Poucos meses atrás, foram os representantes dos moradores da favela Jardim Planalto, em Sapopemba, Zona Leste, que convenceram os traficantes a permitir o alargamento das vielas. Um dos primeiros sinais de coragem de um líder do bairro foi dado no ano passado, quando ele soube que um traficante estava fechando uma viela com um portão de ferro - estratégia para não ter a “boca” invadida pela polícia.
O líder procurou o bandido: “Falei: ‘Não dá para fechar a viela e só você ficar com a chave.’ E se alguém fica doente e precisa de socorro urgente? E se explode um botijão de gás?’” Depois de muita negociação, o acordo. O traficante continuou protegido atrás do portão. “Mas mandou fazer uma cópia da chave para cada morador”, conta o homem.

Em outra ocasião, o líder apelou para a mesma estratégia: havia crianças quebrando lâmpadas e vendendo drogas na frente da escola da favela. “Eu chamei o ‘gerente’ e expliquei que, se aquilo continuasse, chamaria a atenção da polícia. Não sei se essa é a maneira mais certa de resolver, mas o problema acabou.”

Em outros bairros, líderes comunitários começaram a se desarticular. Já não brigam por mudanças, têm medo - e se rendem a quem tem a mão mais forte. Na Zona Leste, a rendição tem acontecido no Jardim Verônia, em Ermelino Matarazzo, onde estão as favelas da Criança, Buraco Quente e Morro do Querosene.