Democratizar o conhecimento e socializar os saberes como ferramenta para transformação social e econômica. Democratizar e socializar para reduzir as desigualdades regionais. Democratizar e socializar para dar oportunidades. Democratizar e socializar para dar esperanças e certezas de um futuro melhor. O poder transformador do conhecimento, monopolizado e retido nas melhores Universidades Públicas, tem que ser disseminado, gratuitamente, para toda a sociedade.

26/02/2006

Quem tem medo da Wikipédia?

Marcelo Leite

A primeira enciclopédia livre da internet andou sob escrutínio, mas saiu dele melhor do que entrou.

Marcelo Leite (cienciaemdia@uol.com.br) é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos "Amazônia, Terra com Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). Texto publicado no caderno "Mais!" da "Folha de SP":Wikipédia -guarde este nome, ou melhor, inclua-o nos favoritos de seu navegador de Internet (pt.wikipedia.org em português, en.wikipedia.org em inglês).

Ao lado do Google, é um dos fenômenos da web, mas tem uma diferença crucial: vem capitaneado por uma fundação e não tem por objetivo dar lucro. Nas últimas semanas, a primeira enciclopédia livre da Internet andou sob um escrutínio intenso, mas saiu dele melhor do que entrou. Em pauta esteve a confiabilidade da Wikipédia, cujos verbetes podem ser criados e modificados por qualquer pessoa. A idéia é que essa edição contínua do conteúdo pelo público aumente sua precisão. O outro gume está em que tanta abertura é também um prato cheio para aventureiros. Estão disponíveis na Wikipédia coisa de 3,7 milhões de artigos, em 200 línguas.

Desde que foi fundada, em 2001, já acumulou mais de 45 mil usuários registrados, só na versão em inglês. Em outubro, recebeu a média de 1.500 novos artigos. Por dia. A controvérsia foi disparada por uma coluna furibunda do jornalista americano John Seigenthaler no diário "USA Today" de 29 de novembro. Seigenthaler denunciava a 37ª página mais consultada da internet por manter 132 dias no ar uma biografia sua com informações ofensivas. Entre outras coisas, dizia que ele chegara a ser suspeito de envolvimento nos assassinatos de John e Robert Kennedy. A página foi enfim retirada do ar, depois de um périplo eletrônico de Seigenthaler na Fundação Wikimedia e noutros sítios que reproduzem conteúdo da Wikipédia. O jornalista chegou a apelar diretamente para um dos criadores da enciclopédia, Jimmy Wales, que preside a fundação baseada na Flórida (EUA).

De lá para cá, o vândalo foi identificado: Brian Chase, de Nashville, Tennessee, que pediu desculpas diretamente a Seigenthaler - por carta. Wales defendeu a Wikipédia dizendo que essa foi uma falha excepcional, que escapou ao exército de escrutinadores de novas entradas. Por via das dúvidas, tornou a enciclopédia um pouco menos livre. A partir de agora, não será mais possível criar ou modificar verbetes de maneira anônima. No meio da tempestade, a voga "wiki" - da expressão havaiana "wiki wiki", rápido- ganhou um reforço inesperado do mais prestigiado periódico científico do mundo.

Nesta semana, a revista "Nature" traz o resultado da aplicação de seu método de controle de qualidade, a revisão por pares ("peer review"), à Wikipédia. No confronto direto com a "Britannica", mãe de todas as enciclopédias, perdeu por pouco: 4 a 3. A "Nature" enviou 42 pares de verbetes sobre ciência para dezenas de especialistas. Na média, foram constatadas 4 imprecisões por verbete da Wikipédia e 3 da "Britannica", a maioria pequenas. Dos totais respectivos de 162 e 123 erros encontrados, só 8 foram considerados graves pelos revisores, 4 em cada uma.A lição a tirar não é só que a Wikipédia não é 100% confiável, mas que nenhuma fonte o é. Ela, ao menos, está aí para ser vigiada e posta na linha por qualquer um. Mãos à obra.

Folha de SP, Mais!,19 de Dezembro de 2005